novembro 24, 2025

E QUANTO AOS PRONOMES? - Heitor Rodrigues Freire


Como sabemos, pronome é uma classe de palavras variável cuja finalidade é substituir ou determinar (acompanhar) um substantivo. Eles se classificam em razão dessas funções. Aquele que substitui o nome é chamado de pronome substantivo, e o que o determina (acompanha) é o pronome adjetivo. São também palavras que indicam pessoas do discurso, posse e posições. Eles acompanham ou substituem os substantivos.

Os pronomes indefinidos são palavras que se referem a substantivos de forma vaga ou imprecisa, ou expressam uma quantidade indeterminada (alguém, ninguém, nada, tudo, todos etc) . Todos os demais pronomes são “definidos”, apesar de não serem chamados assim.

Quanto à função que exercem, os pronomes “definidos” podem ser classificados como pessoais, possessivos, demonstrativos, relativos, interrogativos e de tratamento.

Mas o que nos interessa aqui é o enfoque filosófico – o foco da filosofia que transcende a questão gramatical. Desse ponto de vista, os pronomes vão além de sua função gramatical de apenas substituir ou acompanhar os nomes; eles são cruciais na construção da identidade, da subjetividade e da alteridade (a relação com o outro), e são centrais nos debates sobre a relação entre linguagem e pensamento. 

Tomemos como exemplo o caso do "eu" como sujeito falante. O pronome "eu" é um dos conceitos filosóficos mais ricos. Ele não se refere a um objeto fixo, mas sim à pessoa que está falando no momento do discurso. Filósofos, especialmente na fenomenologia e no existencialismo, veem o "eu" como a expressão da subjetividade, a consciência que se autoconstitui no ato da fala e da existência. A identidade pessoal, segundo o conceito postulado pelo filósofo britânico John Locke (1632-1704), depende da consciência, e o "eu" é a expressão linguística dessa consciência.

A existência do "eu" implica necessariamente a do "tu" (ou "você"), a segunda pessoa do discurso, que é o outro, o interlocutor. Filósofos como o francês Emmanuel Lévinas (1905-1995) focam na alteridade (a condição de ser outro) e na ética da responsabilidade perante o outro, que é linguisticamente invocado pelo "tu" ou "você". A relação entre "eu" e "tu" é a base da intersubjetividade e da ética nas relações humanas. Lévinas buscava uma nova forma de ética que superasse a violência e a instrumentalização do outro, inspirando-se tanto em fontes da tradição ocidental quanto na tradição bíblica.  

Lévinas argumenta que a responsabilidade para com outro é o que nos constitui como humanos. Se o "eu" é confrontado com o rosto do outro, o eu se torna responsável pelo outro, sendo chamado à responsabilidade, o que o diferencia de um ser puramente autônomo. 

 A terceira pessoa ("ele", "ela", "eles", "elas") refere-se a seres ou coisas sobre os quais se fala, mas que estão fora da interação direta "eu-tu". Filosoficamente, o uso da terceira pessoa pode ser associado a uma certa objetificação ou distanciamento, tratando o referente como um objeto de discurso e não como um sujeito interlocutor. 

Outra classificação dos pronomes, os possessivos, nos interessa pelas interpretações que ensejam também no campo filosófico. A relação entre pronomes possessivos e a filosofia não é um tópico gramatical direto, mas sim uma interseção entre a filosofia da linguagem e a filosofia moral/social (que abordam a natureza da posse e do eu). 

Os pronomes possessivos remetem diretamente ao conceito de propriedade, que é um tema central na filosofia política e ética. Filósofos como John Locke e Karl Marx (1818-1883) discutiram a origem e a justificação da propriedade privada. A linguagem da posse reflete e reforça a estrutura social e legal da propriedade.

Alguns sugerem que o uso constante de pronomes possessivos, especialmente em referência a pessoas ("minha esposa", "meu filho"), pode incentivar ou refletir uma mentalidade egoísta ou possessiva, tratando o outro como uma extensão de si mesmo ou como propriedade.

Analisando a questão da posse sob o ponto de vista da espiritualidade, esta nos ensina que, na realidade, nada nos pertence, uma vez que ao desencarnarmos deixaremos tudo o que esteve de alguma forma sob a nossa posse durante a vida terrena. Essa ideia nos leva ao entendimento e à libertação.

"Se amas algo, deixa-o livre. Se voltar, é porque é teu. Se não voltar, é porque nunca te pertenceu."


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