Ultimamente tenho feito incursões pelo mundo da gramática com abordagens filosóficas sobre os seus diversos aspectos. E tenho o privilégio de contar, entre meus leitores, com um em especial, da estirpe do professor Cezar Mafuz Maksoud, advogado e professor emérito que dedicou mais de 50 anos de sua vida ao magistério. Idealista que é, tornou-se um dos líderes pela luta da volta da nossa linha ferroviária. Além disso, muito me honra a leitura que ele faz de meus artigos.
Um dia desses, o professor Cezar me chamou a atenção para uma anomalia da língua portuguesa, como ele mesmo explica:
“Consideremos:
Eu: o que fala (primeira pessoa); Tu: com quem se fala (segunda pessoa); Ele: de quem se fala (terceira pessoa); O motivo disso pode ser explicado!
Quando tu falas com alguém, podes dirigir-se à pessoa, usando “você”!
Por exemplo, dirigindo-me ao Heitor, posso dizer:
- Tu escreves muito bem (segunda pessoa)!
Ou - Você escreve muito bem (apesar de falar com alguém [tu], uso a terceira pessoa: você) !!!
Quando conversamos com alguém, podemos usar o pronome “tu” (segunda pessoa) ou o pronome “você” (terceira pessoa)!
O curioso é que, com quem se fala (vous em francês, you em inglês) temos no nosso vernáculo, além do ‘tu’, o ‘você’: particularidade de nossa língua! O ‘você’ (pessoa com quem se fala), excepcionalmente, é pronome de terceira pessoa e é usado como segunda pessoa!!!!!
Parte de um princípio antigo: não dirigir-se diretamente a uma pessoa hierarquicamente superior! Constituía uma falta de respeito! Então, ao invés de dirigir-se diretamente à pessoa, na interlocução, apelava-se para esta situação: a indagação era dirigida a uma qualidade da pessoa: Assim, ao invés de dizer:
- Tu podes me dar uma permissão, dizia-se:
‘A vossa mercê pode me dar uma permissão?’
Daí ‘vossa mercê’ gerou ‘vosmicê’ e vosmicê gerou ‘você’!
Esta “anomalia” só se encontra na língua portuguesa!”
A partir daí, fui pesquisar, e encontrei algumas informações: a diferença entre "tu" e "você", como já dito acima, está na pessoa gramatical e no nível de formalidade, mas a conjugação verbal correta é frequentemente diferente do uso coloquial. "Tu" é um pronome da 2ª pessoa do singular e, gramaticalmente, exige verbos conjugados na 2ª pessoa (ex: "tu comes"). "Você" é gramaticalmente um pronome da 3ª pessoa do singular, exigindo verbos na 3ª pessoa (ex: "você come"). Mas como estamos no Brasil, e por aqui costumamos subverter toda a ordem, na prática quando usamos o “tu”, embaralhamos a conjugação e misturamos a segunda com a terceira pessoa (“tu vai lá?), de um modo completamente informal. Quando usamos “tu” conjugado corretamente (“tu gostarias?”), é como se vestíssemos um figurino de Dom Pedro e ouvíssemos alguém dançando um minueto ao fundo. Quando usamos “vós”, então, aí é papo de Antigo Testamento, e olhe lá. Praticamente um túnel do tempo.
No uso cotidiano, "você" é mais versátil, e se tornou o padrão em muitas regiões, sendo usado tanto em situações informais quanto formais. O uso de "tu" com a conjugação trocada (em terceira pessoa) é mais restrito a um contexto informal e familiar.
Na norma culta, a distinção entre "tu" e "você" está na concordância verbal. Quando se usa "tu" corretamente, o verbo é conjugado na segunda pessoa, e quando se usa “você”, o verbo é conjugado na terceira pessoa.
Mas o rumo evolutivo da língua aponta a supremacia absoluta do você e a retirada de cena de tu/vós. A conjugação verbal se reduzirá a três pessoas: eu, ele, você; nós, eles, vocês.
A sociolinguística, que dialoga com a filosofia da linguagem, mostra que a variação e a escolha entre "tu" e "você" estão ligadas a fatores como região, classe social, idade e o grau de intimidade entre os falantes. Pra variar, a ausência de uma regra uniforme em todo o Brasil (em algumas regiões predomina o "tu", em outras o "você", e em muitas há a mistura informal) demonstra fluidez nas relações sociais. A língua reflete a forma como os brasileiros navegam entre a intimidade e a distância, a horizontalidade e a hierarquia, em diferentes contextos.
Em resumo, enquanto o "tu" aponta para uma conexão intersubjetiva direta e um reconhecimento mútuo da individualidade, o "você" – com sua raiz em pronome de tratamento e concordância de terceira pessoa – introduz uma camada de mediação, distanciamento histórico e flexibilidade social na comunicação.
Professor Cezar, suas observações geraram um aprendizado para todos nós. Muito obrigado!
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