dezembro 30, 2020

MEMÓRIAS ESPARSAS DE SOROCABA - 11

 

Há alguns anos, em decorrência de ter participado de um treinamento em comércio exterior com diplomatas brasileiros designados para o mundo todo e patrocinado pelo Itamarati, fui coautor de um volume publicado pela USP intitulado “Promoção de Comércio Exterior, Investimento e Tecnologia.” O convite para o treinamento veio porque anteriormente havia escrito e publicado, patrocinado pelo Sebrae , o Mercoguia, o primeiro Guia do Mercosul. Alguém achou que em decorrência destas publicações eu talvez entendesse alguma coisa do assunto e fui convidado pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Coréia do Sul, através de seu presidente, Sr. Léo Kim, a passar um mês naquele país, com todas as despesas pagas, onde tive a oportunidade de fazer palestras sobre comércio internacional e transferência de tecnologia em cinco cidades.

Fui recebido na Coréia do Sul com alguns requintes que se destinam a autoridades, como veículo para transporte, visitas oficiais, entrevistas com membros do governo etc. Fiquei impressionado com o progresso e desenvolvimento do país, que passou de uma renda per capita de US$ 158,00 em 1960 para mais de US$ 27.900,00 em 1997, três vezes mais do a brasileira. E a explicação para isso foi o fortíssimo investimento em educação, que eu tive a oportunidade de testemunhar. Visitei algumas escolas e uma universidade. Na época em que a internet escolar no Brasil era apenas uma remota expectativa todas as carteiras da escola que visitei, equivalente ao curso ginasial brasileiro, tinham computadores ligados em redes de alta velocidade.

A tristeza que me causa a involução da educação formal no nosso país é equivalente ao estrago que foi feito em nosso futuro. Pelo menos duas ou três gerações foram sacrificadas pela péssima gestão da educação. Estudei na OSE, no Estadão e no Liceu Pedro II. Fiz o curso científico e Química Industrial simultaneamente, estudando de manhã e à noite. Quando fui prestar o vestibular da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis passei direto, sem a necessidade de cursinho, tão boa tinha sido a base de meus estudos.

Nunca mais me esqueci de alguns professores, Benedito Cleto, João Tortello, Dulce Pupo, Edson Campioni, Abramo Rubens Cuter, Valério Gozzano, e outros tantos que moldaram os meus conhecimentos. Mas o melhor professor que eu tive, meu tipo inesquecível, foi o Prof. Lauro Sanchez, em razão de quem, nesta segunda fase de minha vida, decidi escrever sobre História. Os professores de minha juventude representavam a elite intelectual da cidade. Alguns desfilavam com seus jalecos brancos angariando o respeito e admiração de todos os que por eles passavam. Eram bem remunerados e pertenciam ao topo da classe média.

O Prof. Lauro Sanchez, portador de severa deficiência visual, transformava as suas aulas em roteiro de filmes, e descrevia as situações com largos gestos representando os fatos ocorridos. Eu me lembro até hoje de uma aula de história quando descrevia a entrada de Alexandre Magno na Índia, atravessando o Rio Ganges em barcos depois queimados, e avançando contra os elefantes hindus fazendo um barulho infernal, de modo que os animais, assustados, dessem meia volta e investissem contra o seu próprio exército.

Aprendi inglês, aperfeiçoado no Cento Cultural, e que fez enorme diferença na minha vida quando me tornei diretor geral para o Brasil da empresa multinacional Card Guard Scientif Survival de Israel. Tive noções de francês e latim. As aulas de física do Prof. Valério eram tão boas que delas nasceu um dos maiores cientistas do país, Beto Fazzio (Adalberto Fazzio), que era nosso vizinho na Rua Afonso Pena e que atualmente é reitor de uma universidade no ABC. As ótimas aulas de português proporcionaram que eu me tornasse jornalista e muito mais tarde escritor. Minhas redações no ginásio foram a razão do Padre Aldo Vanucchi ter me convidado para trabalhar na Folha Popular, depois Folha de Sorocaba.

Só era difícil prestar atenção na aula na presença da Regis Ventrella que era o ideal de beleza de todos os rapazes da época. Embora minhas notas não espelhassem este fato sempre fui bom aluno. Eu tinha preguiça de estudar para as provas e ia fazê-las de memória. E tanto lá, quanto aqui, a memória muitas vezes falha. Eu lia muito e meus conhecimentos gerais eram mais amplos que os dos meus colegas em diversos assuntos, e eu gostava muito de conversar com os professores, que tinham tempo e disposição para trocar ideias com seus alunos.

E hoje em dia? Há algum tempo fui convidado a dar uma palestra aos professores de uma grande escola do SENAI, em cidade satélite do Distrito Federal. Eram mais ou menos sessenta mestres. Sem falsa modéstia, minhas palestras são preparadas com cuidado e frequentemente aplaudidas em pé. Pois bem, neste dia, metade da plateia presente usava acintosamente seus celulares em redes sociais, fingindo que estava prestando atenção. Eles fingem que ensinam, os alunos fingem que aprendem e o resultado é que nem o ministro da educação escreve com português correto. Como será então o resto da população estudantil?

Em um dos meus livros há um capítulo sobre educação, em seus dois sentidos: as atitudes civilizadas de comportamento e a aquisição sistematizada de conhecimentos, a primeira responsabilidade dos pais, e a segunda dos professores. Com pai e mãe sendo obrigados hoje a trabalhar para sustentar a família rareou a primeira opção e com os professores mal pagos, sobrecarregados e politizados que temos, a segunda tornou-se crítica. Ou redescobrimos a opção de uma educação – lato sensu – de qualidade, ou estaremos condenados a ser para sempre uma nação de segunda classe.

Não era essa a visão que tínhamos do futuro naqueles anos dourados de 60/70 quando cada um de nós imaginava o brilhante, fulgurante, porvir do Brasil. “Todos juntos vamos, prá frente Brasil, salve a seleção”.

dezembro 29, 2020

MEMÓRIAS ESPARSAS DE SOROCABA - 10


        O judeu mais famoso da cidade foi Salomão Pavlovsky, carioca de Inhaúma que adotou Sorocaba para viver e onde se consolidou como um dos mais expressivos comunicadores do rádio no Brasil, a ponto de ter um biografia publicada pelo jornalista sorocabano José Antônio Rosa, excelente livro aliás, sob o título “O livro de Salomão”.
        Papai era ucraniano de Shargorod, e criado pela tia, em Odessa, cidade eternizada no clássico do cinema “Encouraçado Potemkin” de Sergei Eisenstein, que conta o motim da tripulação do navio de guerra que antecipou a revolução bolchevique. O pai de Salomão, Moisés Pavlovsky era também ucraniano o que acabou gerando uma proximidade entre eles, além do fato que ambos eram comunicativos e simpáticos. Salomão ia frequentemente em casa para conversar e se desmanchava em rapapés com a minha mãe, com a proverbial gentileza europeia. D. Mary, sua esposa, era mais reservada, embora fosse tão inteligente quanto o marido e a autora do nome Vanguarda para a rádio que Salomão criaria em parceria com os irmãos Otto e Joubert Wey. Menino ainda participei de algumas destas conversas. Na época de nossa chegada à Sorocaba Salomão tinha, se não me engano, um serviço de alto-falantes que anunciava o comércio local. Mais tarde ele foi trabalhar na PRD-7, Rádio Clube de Sorocaba e no jornal Cruzeiro do Sul.
        Posteriormente fundou a Rádio Vanguarda AM, e naquela era de ouro do rádio brasileiro, com Vicente Leporace, Hélio Ribeiro e outros tantos, destacou-se como repórter entrevistando presidentes, primeiros ministros, a rainha da Inglaterra, astronautas e até Glenn Ford, que ele trouxe para tomar uma cachacinha em Sorocaba. Viajou por todo o mundo levando o seu gravador e trazendo entrevistas que marcaram a história do radio brasileiro. Sua amizade com o judeu Silvio Santos, (Senor Abravanel) lhe permitiu instalar em Sorocaba uma emissora de TV, propriedade da família até os dias de hoje. Salomão, que participou de vários juris dos programas de Silvio Santos chegou a insistir para que minha irmã se inscrevesse no concurso de Miss Brasil, proposta que ela nem levou em consideração, o que foi uma pena. A Vanguarda também foi a primeira emissora FM do Estado de São Paulo.
        Ele contava as suas aventuras nas conversas com papai, enquanto este também lembrava as aventuras vividas na Europa e em Israel. Para um menino como eu parecia que estavam contando histórias dos gibis que eu gostava de ler, pura fantasia. Mas era verdade.
        A região de Odessa que originalmente ficava na Trácia, parte importante do Império macedônio, depois romano, foi incorporada à Rússia no século 18 e se dizia que sua característica era ser “a mais europeia das cidades da Rússia”. Sua arquitetura era baseada nos modelos franceses e italianos e tinha a maior colônia judaica do país. Falava-se tanto russo quanto francês e a educação era baseada nos moldes europeus. Essas características passaram para os nascidos na cidade e seus descendentes, entre os quais Salomão e papai, que eram cultos, educados e cosmopolitas.
        Depois de estudar na OSE, no Estadão, no Liceu Pedro II, eu prestei vestibular para a Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis, consegui um emprego na IBM do Rio de Janeiro e fui residir na Cidade Imperial. Minha irmã Genia foi cursar jornalismo em Campinas e ficou morando lá. Papai mudou-se para Itu onde construiu uma casa enorme, linda, num imenso terreno. A esta altura ele tinha representantes em diversos bairros de Sorocaba e da região vendendo as suas mercadorias e continuava distribuindo os cobertores que permitiram a sua afluência. Foi o fim da permanência de nossa família em Sorocaba, mas eu voltaria a morar na cidade anos depois.
        Creio que aqui acabam essas esparsas histórias de nossa vida em Sorocaba. Nas próximas postagens publicarei as minhas próprias lembranças de pessoas que passaram pela minha juventude e que deixaram marcas indeléveis em minha memória e no meu coração. Alguns ainda estão neste grupo entre nós. Outros não estão no grupo, o talento os levou para outros patamares como Paulo Betti e Eliane Giardini. Vários já descansam na eternidade como Rui Batista de Albuquerque Martins, José Caetano Graziozi, Celso Vitório de Toledo, Carlos Tadeu César Papst e muitos outros.