JESUS, UM PLÁGIO?- Marina Garner, Bacharel em Teologia pelo Unasp



Este texto foi enviado como uma contribuição do Irmão Eleutério Nicolau da Conceição, de Florianópolis, renomado intelectual, para esclarecer as lendas que cercam a história de Jesus. 

(Adaptação do artigo – texto integral no endereço abaixo foram eliminados os textos contendo a história de Jesus, por ser conhecido de todos) Ano 6 - Número 1 - 1º. Semestre de 2010 www.unasp.edu.br/kerygma pp.106-124 www.unasp.edu.br/kerygma/artigo11.04asp 106 ARTIGOS

Resumo: O presente artigo analisa a proposta básica do vídeo Zeitgeist de que Jesus não passa de um plágio das mitologias de povos pagãos antigos. Para tanto, são analisados os paralelismos propostos no vídeo, a história da teoria que fundamenta a filmagem e por fim, são realizadas comparações conclusivas em relação a essas questões e aos aspectos bíblicos que as contariam. Palavras-chave: Jesus; plágio; Zeitgeist.

INTRODUÇÃO

Em junho de 2007 foi lançado um vídeo de 122 minutos chamado Zeitgeist e até novembro de 2007, 8 milhões de acessos haviam sido feitas. Esse filme foi ganhador do prêmio de melhor filme no festival de filmes Artivist na Califórnia em 2007 e 2008. Na primeira parte de Zeitgeist, que é dividido em três partes principais, é proposto que o Jesus histórico não passa de um plágio das mitologias de povos pagãos antigos. Os apóstolos utilizaram-se de histórias já conhecidas na época e criaram um personagem muito parecido, escrevendo assim quatro evangelhos a respeito deste “outro deus mitológico”. Em seu site, a equipe do Zeitgeist, liderado principalmente por Peter Joseph e Acharya S., os produtores do filme, colocam o objetivo do movimento:

Pretendemos restaurar as necessidades fundamentais e a consciência ambiental da espécie revogando a maioria das ideias que temos de quem e o que realmente somos, juntamente com a ciência, a natureza e a tecnologia (em vez de religião, política e dinheiro) são a chave para nosso crescimento pessoal, não só como seres humanos individuais, mas como civilização, estrutural e espiritualmente... Logo, a verdadeira mudança nascerá não só do ajuste de nossas decisões e compreensões pessoais, mas também da mudança das estruturas sociais que influenciam essas decisões e compreensões. Além disso, quando percebermos que são a ciência, a tecnologia e, portanto, a criatividade humana que trazem progresso para nossas vidas, seremos capazes de reconhecer nossas verdadeiras prioridades para crescimento pessoal e social e para o progresso. Posto isso, podemos ver que a Religião, a Política e o sistema de Trabalho baseado em Dinheiro/Competição são modos desatualizados de operação social, e que agora precisam ser abordados e transcendidos. Nossa meta é um sistema social que funciona sem dinheiro ou política, ao mesmo tempo em que permite que as superstições percam terreno à medida que a educação avança. Ninguém tem o direito de dizer ao outro em que acreditar, pois nenhum ser humano tem a compreensão completa de nenhum assunto.2

 Este filme entre muitos outros materiais como livros revistas e sites da internet recentemente tem abordado a crítica como novidade entre o mundo acadêmico chamando a atenção de multidões e criando discípulos. Porém, como será verificado, a acusação é antiga e refutável.

2 http://www.thezeitgeistmovement.com/joomla/index.php?Itemid=50, acessado dia 11/05/2009. (Grifo acrescentado)

SEMELHANÇAS ALEGADAS PELO ZEITGEIST

Horus, deus egípcio:

Nasceu no dia 25 de dezembro de uma virgem Nascimento acompanhado de uma estrela no leste Adorado por três reis Era um mestre aos 12 anos Foi batizado com 30 anos Tinha 12 discípulos Fazia milagres  Foi traído, crucificado e morto Depois de três dias ressuscitou Considerado filho de Deus Caminhou sobre as águas Foi transfigurado numa montanha

Attis, deus frígio:

Considerado filho de Deus Nascido de uma virgem no dia 25 de dezembro Considerado um salvador que foi morto pela salvação da humanidade Seu “corpo” como pão era comido pelos adoradores Ele era tanto o divino Filho como o Pai Numa sexta-feira ele foi crucificado numa árvore Levantou-se depois de três dias como “Deus todo-poderoso” Krishna, deus hindu:

Nascido de uma virgem no dia 25 de dezembro Seu pai terreno era carpinteiro Seu nascimento foi assinalado por uma estrela ao leste Visitado por pastores que o presentearam Foi perseguido por um tirano que ordenou o assassínio de infantes Operava milagres e maravilhas Usava parábolas para ensinar as pessoas sobre caridade e amor Foi transfigurado diante dos discípulos Foi crucificado aos 30 anos Ressuscitou dos mortos e ascendeu aos céus Era a segunda pessoa da trindade Deverá retornar para o dia do juízo em um cavalo branco

 Dionysus, deus grego:

Dionysus, deus grego: Nascido de uma virgem no dia 25 de dezembro Era um mestre viajante que operava milagres Andou em um burro durante uma procissão Transformava a água em vinho Era chamado “Rei dos Reis”e “Deus dos deuses” Considerado “filho de Deus”, “único filho”, “salvador”, “redimidor”, “ungido”, e o “Alfa e o ômega” Foi identificado como um cordeiro Pendurado num madeiro.

Mitra, deus persa:

Nascido de uma virgem no dia 25 de dezembro Era um mestre viajante Tinha 12 discípulos Prometia imortalidade aos seus seguidores Sacrificou-se pela paz mundial Realizava milagres Foi enterrado em uma tumba e ressuscitou 3 dias depois Instituiu uma ceia santa Foi considerado o Logos, redimidor, Messias e “o caminho, a verdade e a vida”

3 Timothy Freke e Peter Gandy, The Jesus Mysteries, Three Rivers Press (Setembro, 2001). p. 9 4 Ibid.

HISTÓRIA DA TEORIA

Ao lermos os livros e artigos a respeito da teoria do “Jesus Mito” percebemos um tom de novidade e de descoberta. Porém, estudando a posição acadêmica deísta do século XVIII e XIX vemos que essa percepção implícita está longe de ser verdadeira. Os antecedentes dessa teoria podem retroceder até aos pensadores da Revolução Francesa, como Constatin-François Volney e Charles François Dupuis, na década de 1790. Em artigos publicados nessa década ambos discutiram os numerosos mitos antigos, incluindo a vida de Jesus, que segundo eles eram baseados no movimento do sol através do zodíaco. Kerygma - Revista Eletrônica de Teologia Curso de Teologia do Unasp 1º Semestre de 2010 www.unasp.edu.br/kerygma/artigo11.04asp 112 Dupuis especialmente identificou rituais pré-Cristãos na Síria, Egito e Pérsia representando o nascimento de um deus por uma virgem. Os trabalhos de Volney e Dupuis rapidamente se espalharam e produziram diversas edições. Porém, sua influência até mesmo na França não passou da primeira metade do século XIX com o desenvolvimento do conhecimento a respeito da mitologia e com as informações corretas sobre o início do cristianismo e seu desenvolvimento. Dupuis destruiu a maior parte de seu material por causa da reação violenta que provocou. De acordo com ele “um grande erro é mais fácil de ser propagado do que uma grande verdade, por que é mais fácil crer do que racionalizar, e por que pessoas preferem as maravilhas dos romances à simplicidade da história”.5 5 Charles François Dupuis, The origin of all religious worship (1798) Kessinger Publishing, 2007, p. 293. O primeiro defensor acadêmico da teoria do Cristo na mitologia foi o historiador e teólogo do século XIX, Bruno Bauer. Thomas William Doane, em 1882, publicaria “Bible Myths and their Parallels in Other Religions” e Samuel Adrianus Naber, em 1886, escreveria “Verisimilia. Laceram conditionem Novi Testamenti exemplis illustrarunt et ab origine repetierunt”, analisando os mitos gregos “escondidos” na Bíblia. A raiz, porém, do paralelismo de Jesus com deuses pagãos encontra sua origem na escola “História das Religiões”, que se desenvolveu na segunda metade no século XIX. Mais ou menos na metade do século XX, esse ponto de vista havia sido largamente respondido e deixado de lado, até mesmo por acadêmicos que viam o cristianismo como simplesmente uma religião natural. A teoria que havia uma ampla adoração da morte e ressurreição do deus da fertilidade Tammuz, na Mesopotamia, Adonis, na Síria, Attis, na Ásia Menor, e Osíris, no Egito foi proposto porque colecionou uma grande quantidade de paralelos na quarta parte de seu trabalho monumental The Golden Bough (1906, reimpresso em 1961). Kerygma - Revista Eletrônica de Teologia Curso de Teologia do Unasp 1º Semestre de 2010 www.unasp.edu.br/kerygma/artigo11.04asp 113 Na década de 1930, três acadêmicos franceses, M. Goguel, C. Guignebert, e A. Loisy, interpretaram o cristianismo como uma religião sincretista formada sob a influência das religiões de mistério helenísticas Na década de 1930, três acadêmicos franceses, M. Goguel, C. Guignebert, e A. Loisy, interpretaram o cristianismo como uma religião sincretista formada sob a influência das religiões de mistério helenísticas Recentemente, Earl Doherty, Robert M. Price e George Albert Wells re-popularizaram a teoria. Também tem sido defendido com afinco por Timothy Freke e Peter Gandy que se popularizaram com a divulgação do livro “The Jesus Mysteries” e “Jesus and the Lost Goddess”. D. M. Murdock (pseudônimo Acharya S.) já publicou três livros em defesa da teoria do Cristo da mitologia. Ela argumenta que os evangelhos foram criados no II Século para competir com outras religiões populares da época. Acreditamos que uma série de fatores contribuíram para o retorno desta teoria: o interesse pós-moderno em espiritualismo, a crescente falta de embasamento histórico e o acesso pronto à informação não-filtrada através da internet. Analisando a reação de épocas posteriores com respeito à teoria considerada neste trabalho, Edwin Yamauchi provavelmente tem razão em sua afirmação de que “esta visão tem sido adotada por muitos que pouco se dão conta de suas frágeis fundações”.6

A RESPOSTA

Finalmente, depois de analisarmos a acusação que sofre a religião Cristã e verificarmos como esta acusação começou e com quem, vamos agora para o exame da mesma e a confirmação de sua confiabilidade. Por motivo da falta de espaço, iremos analisar detalhadamente apenas os dois aspectos mais importantes dos paralelismos: o nascimento virginal e a ressurreição dos mortos.

NASCIMENTO VIRGINAL

Em uma das histórias de Dionísio, Zeus foi a Perséfone em forma de serpente e a engravidou, portanto sua virgindade foi tecnicamente perdida. Na versão mais conhecida, Zeus se apaixonou por Semele, princesa da casa de Times. Zeus veio a ela disfarçado de homem mortal e logo Semele estava grávida. Hera, rainha de Zeus, inflamada de ciúmes, se disfarçou como uma mulher idosa e foi até a casa de Semele. Quando Semele revelou seu caso com Zeus, Hera sugeriu que a história de que Zeus era o rei dos deuses poderia ser uma mentira e que talvez ele fosse um mero mortal que inventou a história para que ela dormisse com ele. Quando Zeus foi visitá-la novamente, ela pediu por apenas uma coisa. Zeus jurou que daria a ela o que quisesse. “Apareça a mim como você aparece a Hera”. Relutantemente, mas verdadeiro à sua palavra, Zeus apareceu em toda sua glória, queimando Semele às cinzas. Hermes salvou o feto e levou até Zeus que o costurou a sua coxa e três meses depois deu a luz a Dionísio.7 A história claramente não é comparável ao relato bíblico e, além disso, só existem relatos pós-cristãos. Os deuses e deusas antigos eram típica e muito explicitamente sexuais e ativos, até por que, para o mundo antigo, grandeza era 7 Barry Powell, Classical Myth (3a. ed.). PrenticeHall. New Jersey, 2001, p. 250.  Esse elemento está completamente ausente do relato da concepção virginal de Jesus. No mito de Horus, o engano continua. De acordo com The Encyclopedia of Mythica, depois de Osíris (pai de Horus) ser assassinado e mutilado em catorze pedaços por seu irmão Set, a esposa de Osíris, a deusa Iris,a reaveu e remontou o corpo, e em conexão pegou o papel da deusa da morte e dos direitos funerais. Isis engravidou-se pelo corpo de Osíris e deu a luz a Horus nos rios de Khemnis, no Delta do Nilo.8 O relato está muito distante da realidade bíblica, apesar de uma concepção necrofílica ser miraculosa. Mesmo na imagem encontrada em Luxor com Thoth anunciando a Isis que ela conceberia a Horus, a ordem é a concepção e depois o anúncio, enquanto que os evangelhos declaram o anúncio e depois a concepção.

RESSURREIÇÃO

Os pagãos nesse período não estavam confusos quanto à exclusividade da Igreja, e chamavam os cristãos de ‘ateus’ por causa de sua indisponibilidade fundamental de ceder ou sincretizar. Como J. Machen explica, os cultos de mistério eram não-exclusivistas: “Um homem poderia ser iniciado nos mistérios de Ísis ou Mitras sem ter que abrir mão de suas crenças anteriores; mas se ele quisesse ser recebido na Igreja, de acordo com a pregação de Paulo, deveria abrir mão de todos os outros salvadores para o Senhor Jesus Cristo... Dentre o sincretismo predominante do mundo greco-romano, a religião de Paulo, assim como a religião de Israel, permanece absolutamente distinta.” 20 7- A cronologia está toda errada. As crenças básicas do cristianismo existiam no primeiro século, enquanto que o total desenvolvimento das religiões de mistério não aconteceu até o segundo século. Historicamente, é muito improvável que qualquer encontro teve lugar entre o cristianismo e as religiões de mistério pagãs até o terceiro século. Até hoje não há evidência arqueológica de religiões de mistério na Palestina do início do primeiro século.21A história das influências pode ser dividida em três períodos: Primeiro período (1-200 A. D), as religiões de mistério eram restritas e não exerciam influências nas outras religiões. Se há qualquer influência, ela é na direção contrária: 20 J. Gresham Machen, The Origin of Paul's Religion . New York: Macmillan, 1925, p. 9. 21 J. Ed Komoszewski, M. James Sawyer, Daniel B. Wallace, Reinventing Jesus . Kregel Publications, 2006, p. 231.  cristianismo influenciou os cultos. Segundo período (201-300 A. D), depois de o cristianismo ter se espalhado pelo mundo romano, as religiões de mistério se tornaram mais ecléticas, suavizando doutrinas severas e conscientemente oferecendo uma alternativa ao cristianismo (aparece o culto a Cybele oferecendo a eficácia do banho de sangue, que antes era de vinte anos, para um período que ia de vinte anos à eternidade), competição com o cristianismo. Terceiro período (301-500 A.D), Cristianismo passou a adotar a terminologia e ritos dos cultos de mistério (e.g., 25 de dezembro).22 8- Como um judeu devoto, o apóstolo Paulo nunca teria considerado pegar emprestados seus ensinamentos de religiões pagãs (Atos 17:16; 19:24–41; Rom 1:18–23; 1 Cor. 10:14), assim como João (1 João 5:21). Não há a mínima evidência de crenças pagãs em seus escritos. 9- Como uma religião monoteísta com um corpo de doutrinas coerente, o cristianismo dificilmente poderia ter pegado emprestado de um paganismo politeísta e doutrinariamente contraditório. 10- Os críticos parecem ignorar completamente o pano-de-fundo hebraico do cristianismo. Quase nenhuma atenção é dada ao rico pano de fundo hebraico no Novo Testamento e o cristianismo primitivo. Termos como “mistério”, “ovelha sacrificada” e “ressurreição” em vez de vir dos mitos pagãos como os escritores sugerem, são baseados nas crenças judaicas encontradas no Antigo Testamento. Além disso, os manuscritos do mar Morto têm vertido muita luz em práticas judaicas que se escondem atrás do Novo Testamento como o batismo, comunhão e bispos.

23 Nash, Ronald H. Christianity & the Hellenistic World.1984. p. 192-199; citando Bruce Metzger sobre o culto de Cybele.

CONCLUSÃO

Depois de revisar muitos artigos e livros a respeito da teoria do Cristo na mitologia pagã, tanto dos críticos quanto dos defensores, é difícil não se questionar como esta teoria pode ter se desenvolvido e se propagado da forma como foi e tem sido:

1- O conceito de nascimento virginal encontrado nos mitos pagãos em contraste com o relato bíblico diferem em muito.

2- Ressurreição de acordo com o conceito judaico e cristão não é percebido nos mitos pagãos, mas sim deuses que desaparecem mas não morrem e deuses que morrem mas não reaparecem.

3- A datação dos materiais que podemos usar para ter uma ideia de como eram esses deuses é bastante posterior ao início do cristianismo, não podendo, portanto, ter tido influências no seu desenvolvimento. Se houve influências, foi do cristianismo para o paganismo.

A conclusão da completa falta de argumentos confiáveis e verossímeis é clara e óbvia e, nas palavras de Ronald Nash:

 Esforços liberais de desacreditar a revelação singular cristã através dos argumentos da influência das religiões pagãs destroem-se rapidamente a partir da verificação completa das informações disponíveis. É claro que os argumentos liberais exibem academicismo incrivelmente ruim e com certeza, essa conclusão está sendo muito generosa.24

24 Ronald Nash, Was the New Testament Influenced by Pagan Religions? Christian Research Journal, Inverno 1994, p. 8.

Comentários