outubro 25, 2023

O RELATIVISMO ÉTICO DO TERROR - Becky S. Korich



Há duas semanas estamos tentando pensar em outra coisa, nos preocuparmos com os pequenos problemas do cotidiano, mas o cenário de fundo prevalece, as cenas de terror tomaram conta de tudo. Entraram nas nossas casas, penetraram nos nossos corpos, intoxicaram nossas conversas, obrigaram nossos olhos a acreditar no inimaginável. Com o estômago embrulhado e a mente confusa, é difícil processar a selvageria do horror (espero que nunca consigamos) que deflagrou este ciclo atroz de violência no outro hemisfério. A vida parece estar menor, as almas mais tristes, o mundo retrocedeu.

Além das ramificações que todas as guerras geram, o mundo inaugura uma guerra inédita, com um reality show do lado desumano do ser humano. Como disse em uma entrevista Simone Veil, sobrevivente do Holocausto e ícone da luta pelos direitos das mulheres, o homem é capaz do pior: "Creio que sou uma otimista, mas, desde 1945, não alimento mais ilusões. Daquela experiência terrível eu guardei a convicção de que alguns seres humanos são capazes do melhor e do pior".

O terrorismo é propagado e celebrado. O plano engendrado pelo Hamas não se acanhou: matar, estuprar, sequestrar e torturar civis. Deram o recado ao mundo de que não se importam com o sofrimento humano —israelense ou palestino, ambos vítimas desse terror.

Inaugurou-se a guerra das redes, onde todos falam muito e pouco sabem, onde verdades e mentiras são selecionadas para caber em uma ideologia engessada. Os "especialistas", que não sabem a diferença entre Homus e Hamas, encaixam os fatos nas suas crenças: primeiro a crença (absoluta), depois os fatos (relativos). Em nome da militância, se relativiza o terror, se perde a memória, se anestesia à dor dos outros.

O mundo virtual, em que somos personagens de nós mesmos, é um palanque para propagação das nossas próprias "virtudes" morais, por trás da proteção do escudo blindado das telas. Quanto mais um sujeito "participa da luta" melhor cidadão ele se torna. É um terreno propício para a cultura do mal (no sentido científico: crescimento, reprodução e desenvolvimento de bactérias em um ambiente controlado) onde as pessoas disseminam notícias enviesadas e, mesmo inadvertidamente, estimulam ideologias que pregam o ódio pelo ódio.

O pior dos ignorantes é aquele que conhece apenas uma parte da história: acha que sabe tudo, mas sabendo só uma parte, não sabe nada do todo. A eles falta a humildade de querer saber. A preguiça intelectual decorrente desse princípio hermenêutico é temerária, porque vicia o pensamento, empobrece as ideias e não suporta opiniões dissonantes da causa que sustenta.

Quando tudo é visto como uma "narrativa", a busca pela definição se torna cada vez mais nebulosa e tudo que dela decorre se revela como meras representações vazias. Um prato cheio para legitimar o relativismo ético e moral. Assuntos complexos e multifacetados se posicionam a apenas um eixo, rotulado de "esquerda" ou "direita", "opressor" ou "oprimido".

Quando se trata da questão Israel e Palestina, os preconceitos não tardam a se revelar. Existem dois protagonistas nesse conflito: o Hamas não faz parte deles. Não dá para construir a paz com quem queira destruir um Estado. O Hamas não tem procuração dos palestinos para representá-los. Aliás é de se perguntar: será que nos dois anos planejando o ataque brutal a Israel, o grupo terrorista não teve tempo para pensar na proteção dos palestinos de Gaza, que hoje são vítimas do seu terror?

Equiparar a posição de todos os palestinos com os métodos do Hamas é um desserviço para os próprios palestinos. Uma pesquisa feita em julho deste ano pelo Instituto de Política do Oriente Médio de Washington apurou que metade dos habitantes de Gaza concordou que o Hamas deveria "parar de apelar à destruição de Israel e, em vez disso, aceitar uma solução permanente de dois Estados baseada nas fronteiras de 1967" e 58% da população de Gaza apoiou a retomada das negociações com Israel. Quase metade (42%) dos habitantes de Gaza concordou com a seguinte afirmação: "Espero que um dia possamos ser amigos dos israelitas, já que, afinal, somos todos seres humanos".

O demônio do antissemitismo e do preconceito, que ainda encontra abrigo em corações adormecidos, vem traçando o seu destino de odiar, dividir e não unir.

O trabalho de reconstrução precisa começar, para que não custe o sofrimento de mais uma geração. Em todo o mundo, comunidades de palestinos e judeus precisam reconstruir o diálogo e a confiança, baseados no simples princípio de que as vidas — palestinas ou israelenses — são igualmente preciosas e estão indissoluvelmente interligadas.

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