novembro 14, 2024

A Maçonaria e o impacto das novas tecnologias - Márcio dos Santos Gomes


“Ninguém tachou de má a caixa de Pandora por lhe ter ficado a esperança no fundo. Em algum lugar há de ela ficar”

(Machado de Assis)

Até então estávamos acostumados com o conceito tradicional de  inteligência, no sentido da capacidade de conhecer, compreender e  aprender, adaptando-nos às novas realidades. Gradativamente, um conjunto  de tecnologias capaz de gerar outras tecnologias, novas metodologias e  aplicações chegou ao mercado, com reflexos em todas as áreas, com  potencial maior que outras inovações, como a assustadora capacidade de  uma máquina apreender e reproduzir competências semelhantes às humanas,  como o raciocínio, o planeamento e a criatividade, cujo impacto já  enseja discussões sobre a criação de um padrão global de regulação dessa  chamada “inteligência artificial”.

Sabe-se desde antanho que a única coisa constante na vida é a  mudança. Só que estas estão surgindo em ondas cada vez mais rápidas.  Modismos da tecnologia, que é o resultado do conhecimento acumulado,  passaram a dominar o noticiário recente, em especial a inteligência  artificial generativa (ChatGPT), especulando-se como todas as novidades  poderiam afetar o mundo, resvalando para uma ruptura em tarefas até  então exclusivas do ser humano. Esta nova fase da computação permitiu a  passagem do modo de extração de dados e posterior exame para a etapa  generativa, com as conclusões sendo alcançadas de bate-pronto. Por ora,  ainda temos preservada a nossa capacidade de escolher, questionar, e de  ter um pensamento crítico. Mas, até quando?

Naturalmente, mesmo com tantos festejos envolvendo o potencial para o  desenvolvimento social e económico global, a desconfiança foi  despertada e perspectivas alarmistas foram criadas. Nova caixa de  Pandora teria sido aberta. Estudo da Universidade da Pensilvânia e da  OpenAI indica as profissões mais expostas ao avanço da Inteligência  Artificial. Reportagem da CNN mostra impacto da IA no futuro do trabalho.  Os desafios para os direitos humanos e a ética são enormes e constam de  discussão em vários contextos, em especial sobre a questionável  neutralidade das tecnologias que estão sendo implantadas e “servem a um  propósito político e/ou económico maior que a simples ideia de  eficiência e liberdade promovida por quem as cria”.

Num primeiro momento as pesquisas sobre o impacto da IA apontam  prognósticos de quais e quantas profissões seriam afetadas e a maior  preocupação no sentido de que tais tecnologias pudessem adquirir uma  espécie de consciência e os cenários até então somente vistos em obras  de ficção científica ameaçando a nossa existência. Ademais, alertas de  que a IA acelere a desinformação em ritmo alucinante desperta a  necessidade de estudos sobre os sistemas de governança e impactos na  segurança e na educação.

A tensão em torno do assunto está atingindo governos mundo afora.  União Europeia, EUA e China disputam entre si para dar o cunho de como a  IA será regulamentada. Parlamentares da União Europeia estão  finalizando processo de aprovação do Regulamento da IA, que estabelece  obrigações com base nos seus potenciais riscos e nível de impacto, de  forma a garantir a segurança e o respeito dos direitos fundamentais,  impulsionando simultaneamente a inovação.  No Brasil, encontra-se em tramitação no Senado o Projeto de Lei Nº  2338, de 2023, que dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial.

Até bem pouco tempo, o Metaverso,  uma mescla de mundo virtual imersivo e real habitado por avatares 3D,  com reflexos nas maneiras como pessoas interagem, estudam e trabalham,  era visto como uma perspectiva ainda de longo prazo e os avanços nesse  segmento de realidade virtual e aumentada por ora está restrita às  plataformas de jogos. Empresas arrefeceram o interesse em criar os seus  ambientes no Metaverso, mas a tecnologia continua sendo construída.  Ensaios no âmbito da Maçonaria já estão sendo modulados numa “Loja  Conceito”, conforme apresentado em uma live da GLOMARON, apenas  como exercício de futurologia e aprimoramento de técnicas. Nada que  possa pautar, por ora, o nosso dia a dia.

No mundo dos negócios, o darwinismo corporativo, ou seja, a  capacidade de adaptação a estas mudanças e às novas necessidades dos  consumidores passou a constar da ordem do dia como única alternativa de  manutenção da competitividade e conceito de valor, com o incremento da  aprendizagem, habilidade e expertise das equipes, atualização e  utilização dos conhecimentos dentro de uma organização e sintonia fina  no processo decisório.

Há um ditado popular que afirma “não há mal que sempre dure, nem bem  que nunca acabe”, então, conjecturar sobre o futuro é sempre  tendencioso, certamente podendo descambar para exageros, mas é  inevitável não especular a respeito de possíveis cenários. Há um  provérbio árabe que afirma: “aquele que fala sobre o futuro mente mesmo  quando diz a verdade”. Entretanto, com os gigantes GAFAM, acrónimo da  Web para Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft e assemelhados no  comando do mercado digital, as tecnologias disruptivas irão certamente  alterar as medidas de segurança e estabelecer maiores controles sociais  num cenário orweliano.

É de conhecimento geral que crises demandam mudanças e adiantam o  futuro. De uma forma ou de outra, estaremos mais conectados e ao mesmo  tempo mais isolados. Hábitos já estão sendo mudados e inúmeros sectores  da vida em geral sentem os seus efeitos, notadamente no sistema de  ensino que passou a adoptar meios híbridos com incorporação de  tecnologia envolvendo instrumentos de conteúdo presencial e digital.  Notícia de que a Secretaria de Educação de São Paulo planeia produzir  todo o material didático da rede estadual com inteligência artificial  já causa acalorados debates.

Atualmente, o trabalho remoto é uma realidade e começa a ser  incentivado por uma série de razões práticas expostas pela pandemia da  Covid-19. Todos os ramos de atividades hoje trabalham com cenários  alternativos. Pelo que podemos especular por ora, o porvir será vivido  por trás de uma tela. E por isso fica a pergunta: a realidade será mesmo  virtual? Quais os desafios para a Maçonaria frente a estas novas  tecnologias e demandas da sociedade?

De plano, o publicitário Nizan Guanaes oferece-nos um aperitivo da resposta sobre o futuro que está  acontecendo agora: “Você está preparado para ler o Apocalipse? Aquilo é o  futuro. É São João dizendo que da barriga de uma máquina sairá a  resposta (Google) e que os homens falarão com as mãos (WhatsApp)”. E dá  uma dica:

“O futuro não faz sentido, e não tem jeito de prevê-lo. Só é possível construi-lo”.

Então, para a Maçonaria o desafio do avanço constante das novas  tecnologias é o mesmo cenário que se apresenta para a evolução humana,  ou seja, o de sempre caminhar para frente. O mundo não vai parar e  esperar pelas decisões dos gestores da Ordem ou adaptar-se às suas  necessidades. As redes sociais vieram para ficar e as suas ferramentas  de comunicação digital, como o uso de aplicativos e demais mecanismos,  oferecem o ritmo de todos os processos, tornando-os mais ágeis e  efetivos. Mesmo para os governantes, à medida que a economia se torna  mais complexa, as adaptações são inevitáveis e inadiáveis.

Antes de continuar elaborando este artigo, não resistimos e pedimos ao ChatGPT, em 14.05.2024, que escrevesse dois parágrafos sobre o futuro da Maçonaria em virtude das novas tecnologias. Eis a resposta:

Com o avanço das novas tecnologias, a Maçonaria está  enfrentando um período de adaptação e reinvenção. Embora os princípios  fundamentais da fraternidade e da busca pela verdade permaneçam  inabaláveis, as ferramentas digitais estão sendo integradas de maneira  inovadora. Plataformas online estão facilitando a comunicação entre os  membros, permitindo o compartilhamento de conhecimento e experiências de  forma mais rápida e abrangente, transcendendo fronteiras geográficas e  culturais. Além disso, a utilização de realidade virtual e aumentada  está redefinindo as práticas rituais, proporcionando experiências  imersivas e enriquecedoras que conectam os membros de maneiras antes  inimagináveis.

 No entanto, apesar destes avanços tecnológicos, a Maçonaria continua  a valorizar a importância do contato humano e da presença física. A  tecnologia está sendo incorporada de forma complementar, visando  aprimorar, mas não substituir, as tradições e rituais que são a base da  fraternidade maçónica. O futuro da Maçonaria, portanto, parece ser uma  síntese habilidosa entre o antigo e o novo, onde a sabedoria ancestral  se une à inovação moderna para fortalecer ainda mais os laços fraternais  e promover o desenvolvimento pessoal e espiritual dos seus membros.

De volta à linha do tempo, num primeiro momento, como consequência da  Covid-19, a Maçonaria saiu-se muito bem ao adaptar-se de forma  apressada, no que foi possível e onde a cultura era mais receptiva, com a  adopção das reuniões por videoconferência, de carácter administrativo  ou de estudos e palestras, assegurando a gestão do conhecimento maçónico  sem descurar da preservação dos Arcanos da Ordem, como a ritualística  que somente dever ser praticada em Loja.

Prevenindo-se de um possível colapso da estrutura de sustentação da  Ordem na superação inicial das restrições impostas pela pandemia, a  Maçonaria passou a experimentar novos tempos e novas formas de reunião à  distância, ensejando uma troca de experiências e de compartilhamento da  cultura maçónica numa abrangência até então jamais imaginada. Ainda há  resistências a estas novidades.

Em cenário mais crítico, a tecnologia passou a ser um forte aliado na  preservação das tradições e fortalecimento da união entre os obreiros.  Actualmente, a solução até então “provisória” parece ter caído no gosto  geral mesmo com o retorno “normal” das sessões presenciais. Certamente  este período será lembrado no futuro como uma nova transição na  Maçonaria, pois novos hábitos foram incorporados. Impossível deixar de  citar Vítor Hugo (1802-1885): “O futuro têm muitos nomes: para os  incapazes o inalcançável, para os medrosos o desconhecido, para os  valentes a oportunidade” .

Porém, no quesito funcionamento das Lojas no pós-pandemia, já temos  relatos de que muitos irmãos idosos e do grupo de risco não estão  retornando, evidenciando-se necessidade de revisão do plano de gestão de  cada uma das Lojas, talvez com a realização de reuniões híbridas,  consideradas as particularidades e as adaptações necessárias. De longa  data, sabe-se que gestão é a solução e a tecnologia não poderá ser  desdenhada na administração das Lojas, sabendo-se que daqui a um ano  teremos outras ferramentas do tipo hoje inimagináveis.

Outra realidade que passa a ser analisada é aquela ligada ao  envelhecimento do quadro de obreiros e possíveis impactos do  protagonismo da geração ‘Z’,  compreendendo pessoas nascidas a partir de meados dos anos de 1990, e  das novas denominações que se seguem, consideradas totalmente digitais, e  que demonstram valores profundamente diferentes, com demandas sociais e  ambientais específicas e maior capacidade de reinventar a forma como  trabalhar e solucionar problemas, comunicar-se e reunir-se, impondo  diferentes hábitos de vida e de consumo, com apoio a modelos económicos  alternativos e desenvolvimento sustentável.

Cabem aos dirigentes atuais ter em mente que estes jovens encaram a  diversidade de raça e de género de uma forma natural e essencial na  sociedade e enxergam além do que parece ditar o momento, ensejando, em  certas situações, ausência de orientação ideológica clara, resistência a  rótulos, certa alienação e distância de religião, partidos políticos, e  quem sabe, por desconhecimento, até da Maçonaria. Têm o perfil  flexível, adaptável e criatividade como habilidade principal, aliando  tecnologia e aprendizagem. Algumas destas posturas vão de encontro ao  pensamento do quadro de maçons mais idosos.

Sabendo-se que é neste celeiro de novas cabeças que a Maçonaria  deverá depositar as suas esperanças e garimpar os seus futuros obreiros,  a questão é: como atrai-los? E ainda, se estamos preparados para  recrutá-los e recebê-los nas nossas Oficinas. Este ainda é um desafio a  ser vencido antes de encararmos o cenário das novas tecnologias.  Precisamos repensar abordagens e estratégias, agir com sabedoria e dar  um upgrade na nossa criatividade.

Argumenta-se que na atualidade haveria na Maçonaria um conflito  geracional, com o desgastado discurso de que os mais jovens naturalmente  rejeitam as tradições e o que é antigo, desejando o novo e a promoção  de mudanças, transformações por vezes geradoras de conflitos. Pesquisas  no mundo corporativo revelam que o fator idade não é determinante para  indicar competência ou a sua falta. Quando bem administrado, o choque de  gerações pode ser positivo, notadamente pelo intercâmbio de  conhecimentos. Há que se focar no equilíbrio e conciliação, tendo como  escopo os princípios fundamentais da Maçonaria.

Ademais, não existe uma geração melhor que outra, sabendo-se que  atitudes, mentalidades abertas e flexíveis compõem os requisitos para  superação de adversidades. O importante é não se acomodar e ficar atento  às inovações. Com a nova geração de Aprendizes e Companheiros, numa  espécie de mentoria reversa, do tipo colaborativa, facilita-se  sobremaneira o intercâmbio de conhecimentos e percepções. Mais uma vez,  tudo depende de gestão e que nos recorda um aforismo de François  Rabelais: “conheço muitos que não puderam quando deviam, porque não  quiseram quando podiam”. A visão de futuro deverá levar em conta que a  geração atual de maçons recebeu um legado deixado por revolucionários. E  o que vai ser deixado para as próximas gerações? Não podemos ser os  COVEIROS da Maçonaria.

É sempre oportuno destacar o ensinamento de HILL (2014): “Quando você  fala de líderes que são bem-sucedidos porque ‘sabem escolher homens’,  você pode mais corretamente dizer que eles são bem-sucedidos porque  sabem como associar mentes que se harmonizam naturalmente. Saber como  escolher pessoas de forma bem-sucedida, para qualquer objetivo definido  na vida, é uma habilidade desenvolvida para reconhecer os tipos de  pessoas cujas mentes naturalmente se harmonizam”. Este contexto merece  uma reflexão mais profunda por parte dos nossos Mestres, pois são eles  que recrutam os novos membros e nesses potenciais candidatos já deve ser  detectado esse espírito de liderança para que sejam aperfeiçoados na  Ordem.

Infelizmente, no momento em que a narrativa atinge o seu clímax e o  desfecho torna-se inadiável, tais cogitações caem por terra e tornam-se  desimportantes frente a outras situações que faceamos no dia a dia da  vida profana, como abalo e o sentimento de solidariedade que tomou conta  de todos nós em face da recente catástrofe climática sem precedentes  que assolou o estado do Rio Grande do Sul, culminando em milhares de  desabrigados e mais de uma centena e meia de mortes, casas, lojas,  escritórios, indústrias, hospitais, escolas, vias de acesso, rebanhos,  plantações e municípios inteiros completamente destruídos, além de caos  nas comunicações, sector eléctrico, fornecimento de água e transporte  público. É notório que a sociedade em geral, inclusive outros países e  entidades multilaterais de crédito, e os órgãos governamentais estão  mobilizados para encaminhar as urgentes soluções para esse megadesastre e  a Maçonaria, por intermédio das suas Lojas em todo o país, está  direcionando ações de ajuda humanitária, com o indispensável apoio das  entidades para-maçónicas.

De facto, um desafio premente e uma realidade inquietante!  Entretanto, a maçonaria, como instituição, não pode ficar à margem das  inovações tecnológicas, sob pena de acordar do lado de fora de um novo  mundo em construção pela digitalização e pela Inteligência Artificial, a  nova eletricidade ou fogo que está reestruturando tudo em torno dela.  Estabilidade e previsibilidade estão fora de cogitação; o panorama é  dinâmico e complexo em todos os sentidos.

“O mais belo futuro que poderia ser oferecido à  Franco-Maçonaria seria que ela desaparecesse por não ter mais razão de  ser, pois isto significaria, então, dizer que todos os seres humanos  responderam sem restrição alguma ao ideal de Fraternidade e de  Tolerância, vivendo em ‘Fé, Esperança e Caridade’, e que o Templo  simbólico da Humanidade estaria terminado.”

(Michel Cugnet, apud Ferrer-Benimeli, 2007, p.666).


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