maio 16, 2025

 *Repassando, para reflexão histórica*


*O Papa recém-eleito, que escolheu se auto-determinar Leão XIV, faz com que Maçons se recordem de Leão XIII, um dos Papas que mais dissabores à Franco-Maçonaria causou durante o seu Papado. Espero que o nome não seja uma homenagem.*


A escolha do nome de um Papa nunca é um ato trivial. Trata-se de um gesto carregado de simbolismo, de sinalizações internas e externas, de afirmação doutrinária e, muitas vezes, de antecipação dos rumos que se pretende imprimir ao próprio pontificado. Quando o recém-eleito chefe da Igreja Católica decidiu adotar o nome de Leão XIV, os ecos da história ressoaram intensamente — sobretudo entre os membros da Franco-Maçonaria, que imediatamente foram remetidos ao conturbado e doloroso período de Leão XIII, o pontífice que, entre 1878 e 1903, firmou uma das mais hostis campanhas contra a Maçonaria já registradas.


Leão XIII não foi um opositor qualquer. Ele foi, talvez, o mais articulado e sistemático antagonista da Ordem Maçônica em toda a história moderna do Vaticano. Por isso, a escolha do nome “Leão” não passa despercebida: em Roma, nada é por acaso — e na história dos símbolos, menos ainda.


*I. A herança de Leão XIII: guerra ao pensamento livre*


Leão XIII governou a Igreja em um momento crítico da história europeia: as monarquias davam lugar às repúblicas, o racionalismo substituía o fideísmo, e a Maçonaria — em especial nos países latinos — era uma força viva nas reformas educacionais, jurídicas e políticas que buscavam afastar o clericalismo do poder civil. A Igreja Católica, sentindo-se ameaçada, viu na Maçonaria não apenas uma concorrente espiritual, mas uma verdadeira adversária política.


Foi nesse clima que Leão XIII publicou, em 1884, a célebre (ou infame) encíclica Humanum Genus, na qual definiu a Maçonaria como “um inimigo declarado” da Igreja e da civilização cristã. Com palavras cortantes, denunciou os ideais maçônicos de liberdade de consciência, laicidade do Estado e progresso racional como ataques frontais ao “reino de Cristo”. A Maçonaria, dizia ele, era a raiz de todos os males modernos.


A partir dessa encíclica, todo católico que aderisse à Maçonaria estava automaticamente excomungado. Na prática, Leão XIII interditou o diálogo, demonizou os maçons e incentivou governos aliados a reprimi-los legal e moralmente.


*II. A Maçonaria sob cerco: resiliência e silêncio*


A resposta maçônica não veio em forma de panfleto, mas de resistência discreta, como é da tradição da Ordem. Ao invés de reagir com violência ou confrontação aberta, os maçons se recolheram às suas Lojas e continuaram a trabalhar pelas liberdades civis, pela educação universal, pela tolerância religiosa e pela dignidade da pessoa humana — valores que, apesar de difamados pelo Vaticano, se mostraram ao longo do tempo essenciais para a modernidade.


Os maiores nomes da filosofia, da política e da ciência dos séculos XIX e XX tiveram raízes maçônicas ou beberam da mesma fonte de humanismo laico que a Maçonaria preservava. Enquanto Leão XIII se ancorava na teologia escolástica, os maçons caminhavam com Kant, Rousseau, Jefferson, Comte, Spencer e tantos outros que moldaram a cultura política e intelectual do mundo contemporâneo.


*III. Leão XIV: nome de ruptura ou de retorno?*


Diante disso, a escolha do nome Leão XIV não pode ser recebida sem reservas. Trata-se de um gesto ousado, talvez audacioso. Mas resta a dúvida: o novo pontífice está se inspirando na coragem intelectual de seu antecessor — que, mesmo reacionário, foi um dos Papas mais eruditos de seu tempo — ou está a repetir a inflexibilidade dogmática que o tornou símbolo de intolerância para com as correntes libertárias?


Será Leão XIV um Papa disposto a reabrir os arquivos da condenação, a reforçar os decretos excomungatórios e a manter a incomunicabilidade entre Roma e a Maçonaria? Ou será ele um homem do século XXI, capaz de superar as sombras do século XIX?


O tempo responderá. Mas a apreensão é legítima. Para muitos maçons, a evocação de Leão XIII ainda desperta memórias amargas: tempos de perseguições políticas, de difamação pública, de ataques à honra de homens íntegros apenas por professarem ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.


*IV. O desafio da reconciliação*


É importante recordar que o Concílio Vaticano II, apesar de não revogar formalmente os decretos antimacônicos, promoveu uma abertura significativa ao mundo moderno. Desde então, setores progressistas da Igreja passaram a ver na Maçonaria não uma seita demoníaca, mas uma forma distinta — e legítima — de busca espiritual e ética.


Infelizmente, essa visão não se tornou dominante. E muitos Papas pós-Vaticano II mantiveram uma postura ambígua ou hostil em relação à Ordem. Se Leão XIV decidir trilhar o caminho do endurecimento, perderá uma oportunidade histórica de restabelecer o diálogo com uma das mais antigas e discretas escolas de sabedoria do Ocidente.


*V.  A Maçonaria e a profanação contemporânea: entre resistência e fraqueza*


Seja qual for a atitude do novo pontífice, a Maçonaria tem hoje um desafio ainda maior: a profanação interior, muito mais corrosiva do que os ataques externos. O inimigo de outrora usava tiaras e encíclicas; o de hoje veste-se com o terno da indiferença, com o discurso do politicamente correto e com a capa da irrelevância cultural.


Muitas Lojas, outrora guardiãs da Tradição, tornaram-se clubes de conveniência ou redutos de vaidades. O simbolismo foi trocado por protocolos burocráticos; a Iniciação, por mera formalidade social. Em um tempo de superficialidades e imediatismos, o silêncio ritual tornou-se incômodo e a contemplação filosófica, antiquada.


É nesse cenário que a Maçonaria precisa encontrar seu verdadeiro “Leão”: não o Papa redivivo, mas a coragem interior de romper com o adormecimento profano e retomar sua missão de forjar consciências livres e críticas.


 *O que deve ser feito?*


Caso Leão XIV decida reviver os ataques de Leão XIII, a Maçonaria não poderá apenas lamentar ou se vitimizar. Terá de responder com grandeza e clareza, reafirmando seus valores universais, promovendo com vigor a instrução de seus membros, reabrindo o diálogo com a sociedade civil e resgatando seu papel transformador. E, acima de tudo, deverá limpar suas colunas da poeira do comodismo, para que o Templo simbólico volte a iluminar os caminhos da humanidade.


A Maçonaria vencerá, não por meio de confrontos, mas pela superioridade do pensamento, pela serenidade dos gestos, pela fidelidade à sua essência iniciática. E se Leão XIV quiser ouvir — e for sábio o bastante para escutar — encontrará nos maçons não adversários ocultos, mas irmãos que estendem a mão na Luz.


Autor: Nilo Sergio Campos

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