maio 03, 2025

SIGNIFICADO DA ESCADA DE JACÓ - Izautonio da Silva Machado Junior


O texto anterior estava truncado. Repostamos o texto completo.



1. INTRODUÇÃO

 A Escada de Jacó é sem dúvida

 um dos temas mais estudados pelos maçons no grau de Aprendiz. Inexistente em alguns ritos, este símbolo é citado nas instruções maçônicas do Craft americano, nos rituais do Craft inglês e escocês e na versão do Rito Escocês Antigo e Aceito adotado pelas Grandes Lojas do Brasil.

 Dada a importância do assunto, diante da gama de textos com variadas formas de abordar a Escada de Jacó e pela observação das concepções correntes entre os maçons, constata-se a necessidade de um estudo que vise aproximar seu significado original.

Este trabalho tem por escopo apresentar o significado da Escada de Jacó, sem a pretensão de esgotar o assunto. Entendemos que a exata compreensão de um símbolo deve partir da sua concepção original, para só então o intérprete, no exercício da liberdade intelectual, se aventurar em exercícios especulativos.

Organizamos este trabalho em tópicos que abordam a origem do símbolo na maçonaria, as instruções maçônicas, a fundamentação bíblica, a filosofia por detrás das Virtudes Teologais, a simbologia da escada, entre outros que visam clarificar o significado.

A Escada de Jacó é um símbolo de profundas lições. Que as próximas linhas sirvam de seta para apontar o seu valor e instigar os maçons a subir os seus degraus conscientemente.


2. SURGIMENTO DO SÍMBOLO NA MAÇONARIA


No Manuscrito Dumfries nº 04 (1710), que leva o nome de uma antiga Loja do Condado de Dumfries na Escócia, encontramos na parte “Dever do Aprendiz” duas perguntas e respostas que citam a Escada de Jacó:


P: - Quantos degraus tem a Escada de Jacó?

R: - Três.

P: - Quem são esses três?

R: - O Pai, o Filho e o Espírito Santo


 Esta embrionária citação da Escada de Jacó como símbolo maçônico se releva influenciada pelo cristianismo trinitário, tão comum entre os maçons daquela época e lugar, ao citar a Santíssima Trindade como os três degraus da escada.

 Fazendo uma viagem no tempo, parece não haver mais indícios da existência do símbolo nos antigos catecismos. Nada encontramos a seu respeito na exposição Maçonaria Dissecada de Samuel Prichard (1730). O símbolo também é ausente na maçonaria continental europeia, e não é mencionado na obra inglesa O Espírito da Maçonaria (1775) de William Hutchinson, que foi um texto importante da época e que descreveu inclusive a cobertura da Loja.

Somente voltamos a encontrar o símbolo da Escada de Jacó no terceiro quarto do século XVIII, em desenhos do simbolismo maçônico. Albert Mackey sugere que ele teria sido introduzido por Thomas Dunckerley, que revisou o ritual e construiu um novo código de palestras para a Grande Loja da Inglaterra, tese que faz sentido na medida em que o símbolo passa a aparecer nos registros escritos logo em seguida. Fato é que a Escada de Jacó pode ser encontrada como parte da simbologia maçônica a partir do ano de 1776. Esta informação é corroborada pelas instruções da Grande Loja de Nova York e por Assis Carvalho

William Preston, na década de 1780 descreve uma escada “consistindo em muitos, mas fortalecido por três etapas principais”. Nas palestras de Thomas Smith Webb do final do século XVIII, constava a apresentação da “escada teológica que Jacó em sua sabedoria viu ascender da terra ao céu”. Anote-se, todavia, que diferentemente do Manuscrito Dumfries nº 04, a simbologia maçônica do final daquele século passa a relacionar os degraus da escada não mais com a Santíssima Trindade, e sim com a Virtudes Teologais da Fé, da Esperança e da Caridade, que também são de natureza cristã, conforme será melhor explicado adiante.

Concluímos que a Escada de Jacó não é daqueles símbolos típicos do período operativo, donde provieram outros símbolos comuns do Ofício, como é o caso das ferramentas de trabalho. Se trata de um símbolo extraído da tradição religiosa cristã, e que foi incorporado à maçonaria com o escopo de servir de plataforma para lições de cunho moral. 


3. A ESCADA DE JACÓ NO CRAFT AMERICANO


A instrução da Escada de Jacó é abordada no Grau de Aprendiz. Na versão da Grande Loja de Nova York, o texto da instrução tem o seguinte conteúdo:

A cobertura de uma Loja é nada menos do que a abóbada com nuvens ou um céu adornado de estrelas, onde todos os bons Maçons esperam finalmente chegar, com a ajuda daquela escada que Jacó viu, em sua visão, estendida da terra até o céu, cujos degraus principais são a Fé, a Esperança e a Caridade. Fé em Deus, Esperança na imortalidade e Caridade para com toda a humanidade. A maior destas Virtudes, chamadas teologais, é a Caridade, pois a Fé pode ser perdida de vista e a Esperança termina na realização. Porém, a Caridade estende-se além do túmulo, através dos reinos ilimitados da eternidade.

 Interessante anotar que outros textos, quando mencionam a Esperança, ao invés de usarem a frase “a esperança termina em realização” como na instrução acima, usam a frase “a esperança termina em frustração”. Este é o caso dos rituais das Grandes Lojas de Nevada, Michigan, Prince Hall da Califórnia e do Monitor de Jeremy Cross (1826). Por outro lado, encontramos outros textos que também usam a palavra “realização” da mesma forma que na Grande Loja de Nova York, conforme constatamos nos rituais das Grandes Lojas de Illinois, Flórida, no Monitor de Charles Moore (1868) e no Manual da Loja de Albert Mackey (1862).

Embora o resultado seja o mesmo - a Esperança pode se esvaecer tanto pela realização como pela frustração - mencionamos essa peculiaridade apenas por curiosidade.


4. A ESCADA DE JACÓ NO TEXTO BÍBLICO


O símbolo da Escada de Jacó foi extraído do Livro de Gênesis da Bíblia:

Jacó partiu de Berseba e rumou para Harã. Chegando a determinado lugar, parou para pernoitar, porquanto o sol já se havia posto no horizonte. Tomando uma das pedras dali, usou-a como travesseiro e deitou-se. E teve um sonho no qual viu uma escada apoiada na terra; seu topo alcançava os céus, e os anjos de Deus subiam e desciam por ela. (...) Então sentiu medo e exclamou: “Quão temível é este lugar! Certamente não é outro, senão bêt El, a casa de Deus; eis que encontrei a porta dos céus!” (Gênesis, 28, 10-12 e 17, Bíblia King James Atualizada)

Em síntese, a visão da escada em um sonho ocorreu durante sua viagem à terra da mesopotâmia, quando em seu trajeto vagando pelo deserto, passou a noite nas proximidades do antigo santuário cananeu de Luz. Para melhor contextualizar esta passagem bíblica, vejamos um pouco da história que a envolve.

Rebeca, a amada esposa de Isaac, sabendo por inspiração Divina que uma bênção especial foi colocada na alma de seu marido, estava desejosa de obtê-la para o seu filho favorito, Jacó, embora sabendo que por direito ela pertencia ao seu primogênito, Esaú. Jacó, que mais tarde obteria a bênção de seu pai de modo fraudulento, foi obrigado a fugir da ira de seu irmão que, num momento de raiva e desapontamento, o ameaçara de morte. E, enquanto se dirigia a Padãaram, na terra da Mesopotâmia, (conforme determinado por seus pais, viu-se obrigado a ir) fatigado, pernoitou no meio do deserto e, deitando-se, tomou a terra com seu leito, uma pedra por travesseiro e a Abóbada Celeste como uma coberta. Então, em uma visão, viu uma Escada cujo topo atingia os Céus e pela qual os Anjos do Senhor subiam e desciam. Foi então que o Todo-Poderoso fez um solene trato com Jacó, de que se ele observasse as Suas leis e guardasse os Seus mandamentos, Ele não só o levaria de volta à casa de seu pai, em paz e prosperidade, como faria de sua descendência um povo grande e poderoso. Isso foi amplamente cumprido, pois, após um lapso de vinte anos, e Jacó retornou à sua terra de origem, foi gentilmente recebido pelo seu irmão Esaú. O seu filho José tornou-se posteriormente, por ordem do Faraó, o segundo homem do Egito. Os filhos de Israel, altamente favorecidos pelo Senhor, constituíram-se ao longo do tempo em uma das maiores e mais poderosas Nações da face da terra. (MENDES, 2011, p. 199)

De nota que, embora o símbolo da Escada de Jacó na Maçonaria faça uma relação entre os degraus e as Virtudes Teologais da Fé, da Esperança e da Caridade, esta associação simplesmente não existe na Bíblia. Na verdade, as Virtudes Teologais provêm de outra passagem: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, e a caridade, estas três; mas a maior destas é a caridade” (1 Coríntios 13:13, Bíblia Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida).

A conexão entre um texto do Antigo Testamento - Livro de Gênesis - com um texto do Novo Testamento - Coríntios - nos leva à conclusão de que a simbologia adotada na maçonaria é de natureza cristã.


5. O SIGNIFICADO DA PALAVRA CARIDADE


A Fé, a Esperança e a Caridade têm sido frequentemente referidas como as Virtudes Teologais para distingui-las das antigas Virtudes Cardeais do Cristianismo, que são a Prudência, a Justiça, a Força e a Temperança. 

Uma questão interessante se refere ao fato de que algumas versões da Bíblia traduzem o vocábulo original como “Caridade”, enquanto outras usam a palavra “Amor”. Isso ocorre porque a língua original dos Coríntios é o grego koiné, onde as três virtudes são escritas como Pistis, Elpis e Agápē. 

Para compreender a razão desta diferença de traduções, é necessário esclarecer que a palavra Amor é polissêmica, e a antiga filosofia grega dava a ela diferentes significados, como Afeição Fraterna (storge), Amizade (philia), Atração Erótica (eros), e Caridade (agápē). É a este último sentido que a Bíblia se refere.

O significado da Caridade no sentido de agápē não se restringe simplesmente a ações de assistência caritativa, como soa parecer o seu uso em nosso idioma. Em essência, agápē significa uma bondade amorosa ilimitada para com toda a humanidade. Ao substituir a palavra Caridade por Amor, algumas traduções bíblicas pretenderam aproximar a palavra adotada de seu sentido original, que se relaciona à teologia do Amor Cristão.

É relevante a compreensão do verdadeiro sentido da palavra Caridade nas instruções maçônicas, pois se trata de algo que está muito além de simplesmente praticar atos de bondade. A prática da Caridade é viver plenamente a experiência do amor; as práticas caritativas são apenas uma consequência disso, e não um objetivo central que se esgota por si mesmo.

Considerando ser esta a acepção da palavra Caridade que se pretendeu adotar nas instruções maçônicas, podemos ler os antigos escritos de William Preston, Thomas Smith Webb e seus contemporâneos sob um novo olhar mais profundo de significados. Vejamos por exemplo o que William Preston falou a respeito:

A caridade é a principal virtude social e a característica distintiva dos Maçons. Esta virtude inclui um grau supremo de amor ao grande Criador e Governante do universo e um afeto ilimitado pelos seres de sua criação, de todos os tipos e de toda denominação. (PRESTON, 2017, p. 43)

Assim é que, ao rever a instrução maçônica, se clarifica o entendimento do que seja “Caridade para com toda a humanidade” e a “Caridade se estende além do túmulo, através dos reinos ilimitados da eternidade”. Por ser algo inerente à alma, o Ser a transporta após a morte, para o além-túmulo qou vida eterna.


6. A ESCADA MESOPOTÂMICA


A exegese bíblica informa que a visão de Jacó remete a uma escadaria no estilo das típicas que ladeavam os zigurates mesopotâmicos, como as da Torre de Babel, que permitiria que muitos anjos a utilizassem simultaneamente. Jacó seria de origem sumeriana e teria vivido na Idade do Bronze. A interpretação de que ele viu uma escadaria de zigurate se funda em sua própria cultura da época, sendo objeto de comentários em bíblias consagradas. Vejamos a seguir um texto que corrobora esta interpretação:

“A escada ou escadaria que Jacó vê em seu sonho é a passagem entre o céu e a terra. A palavra comparável em acadiano é usada na mitologia mesopotâmica para descrever o que o mensageiro dos deuses usa quando quer passar de um reino a outro. É esta escadaria mitológica que os babilônios procuraram representar na arquitetura dos zigurates, que foram construídas para fornecer um caminho para a divindade descer ao templo e à cidade”. (Gênesis 28:13-15, The IVP Bible Background Commentary).

É nítido que o estilo da Escada de Jacó não poderia ser diferente, pois uma escada com apenas duas hastes e degraus não permitiria que anjos subissem e descessem sobre ela ao mesmo tempo. Na época a que faz alusão o texto bíblico, as construções seguiam o estilo acima indicado, de modo que outra não poderia ter sido a visão de Jacó. Vejamos a imagem do Zigurate de Ur, situado no Iraque, construído no séc. XXI a.C. e restaurado no ano 6 a.C.:

O fato de ter se popularizado a imagem de uma escada com duas hastes e degraus pode ser considerada simplesmente a escolha de uma forma bidimensional de desenho para expressar o símbolo, graficamente mais simples e ao mesmo tempo capaz de transmitir a mesma ideia, que é a de ser uma plataforma de subida e descida, um caminho, uma ponte da Terra ao Céu.


7. A SIMBOLOGIA DA ESCADA DE JACÓ


De um modo geral, a imagem de uma escada como símbolo de progresso e ascensão iniciática pode ser considerada universal. Significados simbólicos de uma escada podem ser localizados em religiões antigas, como o Mitraísmo, e em correntes esotéricas, como o Hermetismo e a Cabalá, por exemplo.

Do ponto de vista maçônico, o simbolismo da escada pode ser resumido em uma mensagem simples e ao mesmo tempo poderosa: a ascensão ao Céu por intermédio da aplicação prática da virtude em nossas vidas.

A Escada de Jacó é por vezes citada por autores maçônicos como Escada Mística (MACKEY, 2017, p. 78) ou Escada da Consciência (MACNULTY, 2012, p. 160) e representa o caminho pelo qual os maçons aspiram chegar ao Céu. Ela traduz a ideia de uma ascensão iniciática; de uma viagem de evolução que conduz à Divindade; de uma peregrinação da Terra ao Paraíso, de uma ponte por onde descem as Virtudes.

Sendo a Loja a representação do mundo, a Escada figura como um elemento de ligação com o Céu, representada pela Abóbada de sua Cobertura.

Na instrução maçônica, a escada é composta de vários degraus, sendo os principais a Fé, a Esperança e a Caridade, sem citar os demais. Albert Mackey, no entanto, acrescenta às três Virtudes Teologais as quatro Virtudes Cardeais para chegar a sete degraus e fazer um paralelo com o simbolismo do número Sete em várias culturas da antiguidade:

Em alguns do Antigos Mistérios, os sete degraus representavam os sete planetas, e então o Sol estava no ponto mais elevado; em outros, representava os sete metais, e então, o Ouro estava no ponto mais elevado; nos mistérios Bramínicos, eles representavam os sete mundos que constituíam o universo indiano, e então o mundo da Verdade era o mais elevado. (...) Ora, como caridade é amor e o Sol representa o Amor Divino, e também como o símbolo astronômico do Sol é o ouro, e como a verdade é um sinônimo de Deus, é evidente que o topo de todas essas escadas, seja o Sol, ou o Ouro, ou a Verdade, ou a Caridade, transmite a mesma exata lição de simbolismo, ou seja, que o Maçom, vivendo e trabalhando no mundo como sua Loja, deve elevar-se acima dele, àquela eminência que o transpõe, onde somente lá ele poderá encontrar a DIVINA VERDADE. (MACKEY, 2017, p. 79)

Sem dúvida o número sete possui um amplo respaldo quando se faz uma conexão com as Antigas Tradições. Todavia, a instrução se limitou a citar apenas os três degraus principais. “Se sete virtudes fossem simbolizadas, penso que as quatro adicionais seriam as Virtudes Cardeais, mas apesar de ter examinado um grande número de Painéis antigos, não me recordo de ter visto qualquer uma delas ser simbolizada além das outras três” (CARR, 2012, p. 145).

Nesse ponto, embora a escada não seja oficialmente de sete degraus, o número sete surge em vários painéis de outro modo no topo da escada, seja através da imagem de uma estrela de sete pontas, seja de uma constelação com sete estrelas. Outras vezes encontramos a estrela de sete pontas e ao mesmo tempo as sete estrelas ao redor da lua. Estas sete estrelas simbolizam a princípio o número de maçons necessários para abrir uma loja. No entanto as interpretações astrológicas as identificam como a Constelação de Plêiades, conhecida como As Sete Irmãs, e a partir daí se abre um novo campo de interpretações

Voltando aos degraus, pode haver duas razões pelas quais geralmente as escadas são simbolizadas nas antigas tradições com números ímpares de degraus, sejam três, sete ou qualquer outro (HARWOOD, 2014, p. 129). Para o arquiteto e escritor romano Vitrúvio, a maioria dos antigos Templos possuíam números de degraus ímpares pois era considerado um bom presságio se chegar ao topo pisando com o mesmo pé com o qual se pisou o primeiro degrau. Outra razão estaria fundada no sistema pitagórico, em que os números ímpares eram considerados mais perfeitos do que os números pares, e ascender em uma escada com número ímpar poderia simbolizar o alcance do estado de perfeição almejado pelo maçom.

A razão pela qual a Escada de Jacó se apoia sobre o Livro Sagrado é que este simboliza o Código Moral que os maçons devem seguir. Esta concepção de que o Livro Sagrado é um símbolo denota o caráter universal da maçonaria, que não é uma religião e abraça em seu seio maçons de todas as crenças. No entanto, nos sistemas maçônicos teístas, a compreensão das Sagradas Escrituras assume contornos mais religiosos, para considerar seu conteúdo uma Revelação Divina. Nesses termos, se considera que as Escrituras Sagradas contêm uma substância de ensinamentos nos quais os maçons devem se apoiar para evoluir espiritualmente. O sistema inglês segue esta linha:

Porque pelas doutrinas contidas naquele Livro Sagrado, somos levados a crer nas disposições da Providência Divina; a qual reforça a nossa Fé e nos habilita a subir ao primeiro degrau. Essa Fé, naturalmente cria em nós a Esperança de alcançar as abençoadas promessas nele contidas; esperança que no habilita a subir ao segundo degrau. Mas o terceiro e último, sendo a Caridade, compreende o todo; e o Maçom que possui essa virtude no seu mais amplo sentido, pode com justiça considerar ter alcançado o ápice de sua arte; falando figurativamente, uma mansão etérea, velada aos olhos dos mortais pelo firmamento estrelado, emblematicamente representado em nossas Lojas por s...e es...s, numa alusão a igual número de Maçons regulares; sem os quais nenhuma Loja é perfeita e nenhum candidato pode ser legalmente iniciado na Ordem. (MENDES, 2011, p. 200)

Como todo símbolo, a escada pode comportar várias interpretações, e esta característica faz da simbologia um estudo enriquecedor. Para exemplificar isto, propomos um exercício de interpretação para associar as Virtudes à escada, partindo da premissa de que elas estão em uma sequência, e considerando que cada degrau dela represente um nível. A Fé estaria situada na base da escada, em um nível abaixo, próximo do mundo físico, e serve de força propulsora para se alcançar níveis mais altos de espiritualidade. A Esperança estaria localizada no meio da escada, em um nível intermediário, relacionando-se como o mundo da psiquê, e serve de força propulsora para seguir a jornada em direção ao Céu. A Caridade, estaria situada na parte mais alta da escada, relacionando-se com o mundo espiritual, e representa um estado de consciência mais iluminado que conduz a chegada no topo, onde brilha o reino da Divindade.


8. AS VIRTUDES TEOLOGAIS


Conforme a lição maçônica, a Escada de Jacó possui tantos degraus quantos sejam as virtudes morais, porém os três principais são a Fé, a Esperança e a Caridade, sendo a maior delas a Caridade, “(...) pois a Fé pode ser perdida de vista e a Esperança termina na realização. Porém, a Caridade estende-se além do túmulo, através dos reinos ilimitados da eternidade”. 

Interessante explicação sobre o significado dessa instrução encontramos em textos da Grande Loja de Nova York, da qual elaboramos a seguinte síntese: a Fé é uma forte crença em algo para o qual não há provas, portanto, por natureza, ela requer falta de provas. Se o objeto de Fé for provado, ela deixa de existir por falta de motivo que a sustente. A Esperança é o desejo acompanhado por uma expectativa ou crença de que será realizado, portanto, por natureza, ela requer um desejo não realizado. Se o objeto de esperança for realizado, ela deixa de existir por falta de motivo. A Caridade, ao contrário da Fé e da Esperança, não possui condicionantes que possam causar a sua perda: a capacidade humana para a bondade amorosa é infinita.

Enquanto nos rituais norte-americanos a locução é “Fé em Deus, Esperança na imortalidade e Caridade para com toda a humanidade”, nos rituais ingleses é “Fé no Grande Arquiteto do Universo, Esperança na Salvação e, Caridade para com todos os homens”. É de nota que as instruções em exame são econômicas nos rituais norte-americanos, ao passo que os rituais ingleses apresentam definições para cada uma das virtudes.

As definições das Virtudes da Fé, Esperança e Caridade são trabalhadas em obras teológicas e acadêmicas. Entretanto, nos valemos de textos maçônicos para este fim:


TRECHO DA PRIMEIRA PRELEÇÃO DO GRAU DE APRENDIZ DA EMULATION LODGE OF IMPROVEMENT, DA INGLATERRA:


P. Eu lhe solicito definir a FÉ.


R. É um fundamento da Justiça, um laço da amizade e o principal sustentáculo da sociedade civil. Nós vivemos e caminhamos pela Fé. Por ela temos o contínuo reconhecimento de um Ser Supremo. Pela Fé temos acesso ao trono da graça, somos justificados, aceitos e, finalmente recebidos. Uma Fé verdadeira e sincera é a evidência das coisas que não podemos ver, mas a substância das que almejamos. Assim, bem mantida e respondida em nossa profissão Maçônica, ela nos levará àquelas mansões abençoadas, onde alcançaremos a felicidade eterna com Deus, o Grande Arquiteto do Universo.


P. A ESPERANÇA.


R. É uma âncora da alma, segura e firme, na qual penetra envolta em um véu. Deixemos então que uma firme confiança no Onipotente anime as nossas expectativas e nos ensine a manter os nossos desejos dentro dos limites de Suas abençoadas promessas. Então, seremos coroados de êxito. Se acreditamos que algo seja impossível, a nossa descrença fatalmente levará a isso, mas, aquele que perseverar em causa justas vencerá todas as dificuldades.


P. A CARIDADE.


R. Admirável por si só, é o mais brilhante ornamento com que podemos adornar nossa Arte Maçônica. É o melhor teste e a mais segura prova de sinceridade de nossa religião. É o melhor teste e a mais segura prova de sinceridade de nossa religião. A Benevolência, praticada com a Caridade Celestial, honra a nação que a tem por berço, prática e a preza. Feliz é o homem que tem semeadas em seu peito as sementes da benevolência; ele não inveja o seu vizinho, não crê nas falsidades lançadas contra si, perdoa as injúrias dos homens e se esforça em apagá-las de sua memória. Então Irmão, lembremo-nos que somos Maçons livres e aceitos; sempre prontos a ouvir a quem clama por nossa assistência; e não deixemos de estender a nossa mão liberal àquele que tem necessidade. Que a recompensa dos nossos trabalhos seja a satisfação do fundo do nosso coração, ao que se seguirá o resultado do amor e da Caridade. 

(MENDES, 2011, p. 199)

O ritual de Aprendiz do Rito Escocês Antigo e Aceito das Grandes Lojas Brasileiras também adotam a Escada de Jacó, símbolo não original deste rito, que foi nele enxertado em 1928, por meio do “Ritual de Behring”, onde encontramos a alocução: “Fé no Grande Arquiteto do Universo, Esperança no Aperfeiçoamento Moral e Caridade para com o Gênero Humano”.


9. O TAPETE DO MESTRE E AS TÁBUAS DE DELINEAR


O Craft americano de modo geral não adota Tábuas de Delinear em seus rituais, mas é comum se servir de Tapetes do Mestre, que são conjuntos de plataformas visuais referentes aos graus simbólicos. O Tapete de cada grau possui as imagens simbólicas correspondentes, sendo usado nas lojas como suporte visual para compreensão das instruções maçônicas. 

Por sua vez, o sistema inglês usa Tábuas de Delinear, das quais surgiram muitas variações ao longo do tempo. Nos desenhos mais antigos do século XVIII, encontramos as letras F, H e C nos degraus, significando Faith (Fé), Hope (Esperança) e Charity (Caridade).

No início do século XIX as Tábuas passaram a ter figuras femininas, com a Fé representada por uma mulher segurando a Bíblia, a Esperança por uma mulher segurando uma Âncora e a Caridade por uma mulher com crianças abrigadas em suas saias. 

Na segunda metade do século XIX, as figuras femininas passaram a ser omitidas, passando a Fé a ser simbolizada por uma Cruz ou a Bíblia, a Esperança por uma Âncora e a Caridade por um Cálice com uma mão se estendendo em direção a ele. Estudiosos presumem que o Cálice seja uma referência ao Santo Graal sendo elevado ao Céu pela Mão de Deus.

É ainda possível encontrarmos Tábuas com a imagem de um Coração para representar a Caridade. Outras vezes, vemos anjos na Escada, em alusão ao sonho de Jacó. Também é comum o desenho de uma Chave pendurada na Escada, que nos rituais mais antigos como o Registro da Casa de Edimburgo (1696), simboliza “uma linguagem bem elaborada”, estando a chave guardada em uma “Caixa de Ossos” (isto é, a boca), significando que ela guarda segredos.

Por derradeiro, às vezes as virtudes são relacionadas com os Pilares de sustentação da Loja: Sabedoria, Força e Beleza. Pilar da Sabedoria: é sábio quem tem Fé no Grande Arquiteto do Universo. Pilar da Força: a Esperança é uma Âncora que traduz firmeza e segurança. Pilar da Beleza: a Caridade é um belo ornamento no coração dos homens de sentimentos puros.


10. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Existe uma equivocada concepção de que os degraus da escada de Jacó aludem aos graus maçônicos, o que pelo exposto, não tem fundamento. Quando se diz que após a Iniciação o maçom põe o pé no primeiro degrau da Escada de Jacó, está se fazendo uma alusão às virtudes maçônicas, que são os degraus da escada. 

As lições maçônicas não existem apenas para fins de ginástica mental, são ensinamentos para serem praticados na vida, além do plano puramente abstrato das ideias. A Ordem nos incita a praticar as virtudes, sendo que Caridade possui um belo e profundo significado que se relaciona com o Amor (agápē). 

A Escada de Jacó representa nada menos que um caminho de evolução. O objetivo dos maçons não deveria ser outro que não a busca da Luz. Desde a passagem simbólica das Trevas para a Luz na Iniciação, o maçom inicia uma grande viagem. A Ordem aponta o caminho... ao maçom cabe a busca da iluminação, por seus próprios esforços de transformação pessoal.

Tais concepções não colidem com o fato de que a maçonaria não é uma religião. Simplesmente não é, e suas lições não conflitam com as convicções religiosas de quem quer que seja. Fundadas as premissas de que o maçom deve crer em um Ser Supremo e de que a maçonaria é uma escola de evolução pessoal, o símbolo da Escada de Jacó é perfeitamente aplicável aos estudos da Ordem.

O objetivo deste trabalho foi o de trazer luz ao significado da Escada de Jacó, abordando um pouco de sua história, simbologia e filosofia. Se apenas uma única informação tiver sido útil, consideramos a missão cumprida.


11. REFERÊNCIAS


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