Toda cidade tem suas putas.
Não me refiro aqui apenas às mulheres que trocam o corpo por dinheiro, mas àquelas figuras marginais, silenciadas e, ao mesmo tempo, imprescindíveis para o equilíbrio oculto da hipocrisia social.
As putas são, talvez, o espelho mais cruel e mais sincero da moral pública.
Elas caminham pelas bordas da cidade, mas sustentam o centro.
Estão na calçada, mas sustentam os quartos escuros dos homens que pregam virtude em voz alta.
Estão nos becos, mas conhecem as avenidas da alma humana melhor do que qualquer teólogo ou filósofo de gabinete.
A história nunca foi gentil com elas.
Na Grécia antiga, havia distinção: as hetairas eram cortesãs cultas, companheiras de homens ilustres,respeitadas na alcova, ignoradas em público.
Na Idade Média, eram tratadas como pecadoras por uma Igreja que mantinha seus próprios prostíbulos secretos.
No século XIX, o bordel virou instituição, e a sociedade vitoriana empurrou o desejo para trás de portas trancadas, enquanto vestia de luto a alma.
Hoje, em tempos de redes sociais e pornografia gratuita, ainda apontamos o dedo. Mudou a vitrine, mas não a hipocrisia.
A cidade precisa das putas. Não pelas razões óbvias,mas porque elas cumprem o papel que a moral recusa: o de lembrar que o desejo não obedece à lei. Que o corpo não é pecado. E que a nudez, por mais vendida que seja, ainda escandaliza menos do que a falsidade dos que a compram.
Não nos quartos,mas nas esquinas da existência. Mulheres que sabiam mais de política do que muitos vereadores, mais de saúde mental do que certos analistas. Mulheres que sabiam ouvir. Que sabiam calar. Que sabiam cobrar,não só em dinheiro, mas em respeito.
E o mais irônico? Eram mais humanas do que muitos líderes religiosos que prega compaixão no púlpito enquanto devora corpos e almas em segredo.
Mais leais do que políticos com mandato.
Mais autênticas do que algumas mulheres da “Alta Sociedade” que mantém a relação por causa de nome e sobrenome.
Não romantizo a prostituição,seria tolice e covardia.
Mas também não aceito o cinismo de uma sociedade que consome sexo como produto, mas finge horror diante de quem o vende com sinceridade.
As putas sabem demais.
Sabem dos bastidores.
Sabem dos rostos que a cidade finge não ter.
Elas escutam os desabafos mais íntimos dos homens que ninguém imagina frágeis.
E carregam nas pernas não apenas cansaço, mas também um tipo de liberdade que apavora os moralistas: a liberdade de não mentir sobre o próprio desejo.
O que é uma puta, afinal?
Uma mulher que cobra pelo que outras oferecem de graça?
Uma empresária do prazer?
Uma sobrevivente?
Uma mulher como qualquer outra, mas sem o escudo da hipocrisia?
Talvez todas essas coisas.
Ou talvez nenhuma.
Mas uma coisa é certa: o nome que a cidade lhes dá — “puta” — diz mais sobre quem julga do que sobre quem vive.
A cidade as quer invisíveis de dia e indispensáveis à noite.
Quer que elas existam, mas não tenham rosto.
Quer consumi-las, mas não reconhecê-las.
Quer a função, mas não a dignidade.
E é justamente por isso que escrever sobre elas incomoda. Porque obriga a cidade a se ver no espelho.
Não sei o nome da primeira prostituta que existiu, mas sei que ela antecede qualquer Estado, qualquer religião, qualquer casamento.
Ela já estava ali, na fundação do mundo, oferecendo o que o mundo sempre quis e nunca teve coragem de assumir que precisava: um espaço onde o desejo não é pecado,é mercadoria.
É cruel? Talvez.
É injusto? Com certeza.
Mas é real.
E a realidade, quando despida da moral, ainda nos escandaliza.
Se há alguma esperança, talvez esteja em um dia podermos olhar para essas mulheres sem escárnio, sem piedade, sem santidade. Apenas com humanidade.
Até lá, elas continuarão nas esquinas.
Vestidas de brilho barato.
Calçando sandálias de resistência.
E caminhando com a altivez silenciosa de quem conhece todos os segredos da cidade mas jamais os contará.
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