setembro 30, 2025

ABRACADABRA - Heitor Rodrigues Freire


Quem foi criança nos anos 40 e 50 (minha geração) vivia num mundo lúdico, mágico, cercado por personagens fantásticos que estimulavam e ativavam nossa imaginação: Contos das Mil e uma Noites, Princesa Sheherazade, Sinbad, o marujo, Ali Babá e os quarenta ladrões, etc. Líamos com sofreguidão os livros maravilhosos de Malba Tahan (na realidade esse é o pseudônimo do professor brasileiro Júlio César Mello e Souza, que criou o personagem Malba Tahan por acreditar que um escritor brasileiro não chamaria atenção escrevendo contos árabes).

“O homem que calculava”, o livro mais famoso de Malba Tahan, apresentava um enigma matemático: o problema dos 35 camelos. Nessa história, três irmãos deveriam dividir uma herança de 35 camelos: o mais velho ficaria com a metade, o segundo com um terço e o mais novo com um nono. A dificuldade surgia porque a divisão não resultava em números inteiros, mas o calculista Beremiz Samir, personagem do livro, resolveu o problema emprestando um camelo para a divisão, totalizando 36, o que permitia uma partilha justa: 18 para o mais velho, 12 para o do meio e 4 para o mais novo. Dessa forma, a soma dos camelos distribuídos foi 18 + 12 + 4 = 34 camelos. Sobraram dois camelos: um já pertencia ao amigo de Beremiz que emprestou o animal, e o outro ficou para o próprio Beremiz, por ter resolvido o problema. 

Vivíamos assim nesse clima mágico. Um dos grandes símbolos que mexia com nossa imaginação era a palavra abracadabra, uma palavra mágica que convertia tudo em realidade. Os mágicos da época usavam essa palavra para realizar seus espetáculos.

Na semana passada me deparei com essa palavra e fui pesquisar para encontrar sua origem e seu verdadeiro significado.

Alguns linguistas sugeriam que abracadabra era uma corruptela da frase hebraica ebrah k'dabri, que significa "eu falo e crio", e teria sido dita por Deus durante a criação do mundo, segundo o Gênesis. No mesmo contexto, o Criador teria dito outra frase parecida — avra gavra — que, em aramaico, significa "Eu criarei o homem". 

Mas o historiador medieval Don Skemer, da Universidade de Princeton nos Estados Unidos, defende o termo hebraico ha brachah dabarah, que quer dizer “nome do abençoado”, como a origem de abracadabra. "Nomes divinos são fontes importantes de poder sobrenatural para proteger e curar, como vemos na magia antiga, medieval e moderna", explicou ele à revista National Geographic. 

Esse poder de cura mágica de doenças foi reforçado em um manuscrito judaico do século XVI encontrado na Itália, que aponta abracadabra como um remédio falado para febre. Em sua obra “Um diário do ano da peste”, do século XVII, o escritor Daniel Defoe defendeu o uso do termo como um antídoto para possessão de espíritos malignos, escrevendo a palavra mágica "formada em triângulo ou pirâmide".

A configuração pode também ser vista em um estudo de 2016, feito por pesquisadores da Universidade de Michigan, sobre um papiro egípcio escrito em grego do século III d.C. Para os magos gregos, escrever variações de uma palavra em um triângulo apontando para baixo formava um “cacho de uva”, capaz de eliminar tanto a doença quanto o espírito maligno.

                                           


                                               ABRACADABRA

                                                  BRACADABRA

                                                     RACADABRA

                                                        ACADABRA

                                                           CADABRA

                                                              ADABRA

                                                                 DABRA

                                                                    ABRA

                                                                       BRA 

                                                                          RA    

                                                                             A


A primeira menção conhecida da palavra foi no século II em um livro chamado “Liber Medicinalis” (conhecido como “De Medicina Praecepta Saluberrima)” escrito por Sereno Sammonico, um médico do imperador romano Caracalla, que no capítulo 52 prescreveu para pacientes com malária o uso de um amuleto contendo a palavra abracadabra escrita na forma de um triângulo. 

A palavra também foi usada como uma fórmula mágica pelos gnósticos da seita de Basilides ao invocar a ajuda de espíritos benéficos contra doenças e infortúnios. É encontrada nas pedras Abraxas, que eram usadas como amuletos. Posteriormente, seu uso se espalhou além dos gnósticos.

Abracadabra faz parte do vocabulário de tantos idiomas que já se afirmou que ela é mais antiga do que a Torre de Babel da Bíblia.

Trata-se de "uma máxima talmúdica que expressa a crença de que a pessoa que fala tem o poder de fazer com que o mundo exista", escreveu o rabino americano Alan Lew (1943-2009) em seu livro “This is real and you are completely unprepared” (“Isto é real e você está completamente despreparado”, em tradução livre). Essa ideia destaca a poderosa conexão entre nossas palavras e a realidade que manifestamos. 

Em muitas tradições espirituais, as palavras são vistas como uma forma de energia criativa. O que falamos para existir carrega o potencial de moldar o nosso mundo. Quando você entende que suas palavras têm o poder de criar, você se torna mais consciente do que diz – percebendo que cada pensamento expresso tem o potencial de influenciar sua vida e a vida daqueles ao seu redor. 

Abracadabra não é apenas uma palavra mágica; é um lembrete da magia dentro de todos nós. Então, da próxima vez que você disser a palavra abracadabra, lembre-se do seu verdadeiro significado. Que seja um lembrete para falar com propósito, usar suas palavras com sabedoria e criar a vida que você visualiza – porque, de fato, você criará enquanto fala.

 

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