dezembro 14, 2025

O SILÊNCIO COMO UM GESTO DE SABEDORIA - Alexandre Fortes




        O silêncio é visto como um gesto de sabedoria tanto na Epístola de São Tiago quanto na Maçonaria, embora com focos e contextos distintos. O silêncio é uma atitude ativa que precede e qualifica a fala, sendo um caminho para a verdadeira sabedoria e o aprimoramento do ser.

        Na Epístola de Tiago (Novo Testamento), a sabedoria do silêncio está intimamente ligada ao controle da língua, considerada uma força poderosa e perigosa. O silêncio (ou, mais precisamente, o uso moderado e refletido da fala) é um sinal de maturidade espiritual e sabedoria.

        Controle da Língua, Sabedoria e Humildade: O texto enfatiza que quem consegue controlar a língua é uma pessoa perfeita e capaz de dominar todo o seu corpo (Tiago 3:2). A língua é comparada a um pequeno freio que governa um cavalo ou a um pequeno leme que dirige um grande navio (Tiago 3:3-4). A verdadeira sabedoria (que é “do alto”, ou seja, divina e pura) é marcada pela mansidão e por ações justas, e não por palavras vãs ou jactância (Tiago 3:13-17). O silêncio, neste contexto, é a virtude de se calar para evitar o pecado do falar impensado, maldizente ou arrogante.

        Na Maçonaria, o silêncio é um princípio iniciático fundamental, sobretudo para o Aprendiz Maçom. É um símbolo e um meio para se alcançar a sabedoria e o autodomínio.

        Condição para a Aprendizagem: O silêncio imposto ao Aprendiz (e a máxima de “Ouvir, Ver, Calar” – Audi, Vide, Tace) não é um mutismo por ignorância, mas uma disciplina para que ele possa ouvir, observar e meditar sobre os ensinamentos, rituais e símbolos sem dispersão.

        Reflexão e Transformação: O silêncio é o meio pelo qual o iniciado pode se entregar à meditação e à reflexão interior, essenciais para a lapidação da “Pedra Bruta” (o próprio Maçom no seu estado imperfeito). É no silêncio que se busca o autoconhecimento e o domínio sobre as paixões.

        Discrição (Segredo): Além da sabedoria interior, o silêncio também é a virtude da discrição e do sigilo que protege os mistérios e o funcionamento da Ordem, conforme a tradição pitagórica (a palavra “mistério” deriva de “Myein”, que em grego antigo significa “boca fechada”). O sábio é aquele que sabe quando e o que falar e o valor do silêncio.

        No Pentateuco, (os cinco primeiros livros da Bíblia: Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), o valor do silêncio é frequentemente expresso de forma implícita, ligando-o à obediência, à reverência a Deus (YHWH) e à aceitação da Sua vontade ou juízo.

        Embora o Pentateuco não possua uma exaltação do silêncio como disciplina filosófica (como em Pitágoras) ou espiritual (como no Alcorão ou no Novo Testamento de Tiago), ele é essencialmente a ausência de murmuração ou questionamento diante da autoridade divina.

        No campo da filosofia, diversos filósofos clássicos antigos da Grécia e de Roma defendiam o silêncio não como mera ausência de som, mas como uma disciplina ativa essencial para a sabedoria, o autodomínio e o conhecimento verdadeiro.

        Filósofos Clássicos e o Silêncio

        Pitágoras (c. 570 – c. 495 a.C.)

        Pitágoras é, talvez, o mais emblemático defensor do silêncio como disciplina iniciática.

        O Silêncio como Teste: Na sua escola em Crotona, o silêncio era uma regra estrita para os neófitos (chamados Acústicos). Eles deveriam praticar o silêncio por um longo período (algumas fontes citam até cinco anos) apenas para ouvir e observar (o preceito de Audi, Vide, Tace – Ouvir, Ver, Calar).

         Finalidade: O silêncio visava lapidar o temperamento e vencer o impulso de falar impulsivamente. Era o passo inicial para a purificação e para desenvolver uma mente mais reflexiva, capaz de assimilar os ensinamentos mais profundos da cosmogonia e da matemática (o caminho para se tornarem Matemáticos).

        Citação Atribuída: “Ouve e serás sábio. O começo da verdadeira sabedoria está no silêncio.”

        Sócrates (c. 469 – 399 a.C.) e Platão (c. 428 – 348 a.C.)

        Embora Sócrates fosse conhecido pelo seu método dialético (baseado na pergunta e resposta), ele valorizava a contemplação e a fala deliberada.

        Sócrates: O seu famoso “só sei que nada sei” e a sua busca incessante pela definição das virtudes implicavam uma moderação na fala e um reconhecimento da ignorância que deve ser preenchida pela reflexão. Há análises do seu silêncio em diálogos como o Timeu, que sugere a recusa do discurso superficial.

        Platão (Discípulo de Sócrates): Uma citação notável atribuída a ele resume bem a ideia:

        “Os homens sábios falam porque têm algo a dizer; os tolos, porque têm de dizer algo.” (Esta citação destaca o valor do silêncio como o estado de quem espera ter algo de substância para contribuir.)

        Estóicos (Séneca, Epicteto)

        O estoicismo, que floresceu mais tarde, mas se baseou em princípios clássicos, via o silêncio como uma ferramenta de autodomínio e virtude.

       Epicteto (c. 50 – c. 135 d.C.): Defendia o silêncio como a regra geral na conduta.

        “Que o silêncio seja a sua regra geral; ou fale apenas o que é necessário e em poucas palavras.” (Enfatizando a fala como algo funcional e não fútil).

       Séneca (c. 4 a.C. – 65 d.C.): O silêncio, para os estóicos, era parte do treinamento moral (askesis) para evitar a tagarelice (adoléschia) e cultivar a tranquilidade (ataraxia).

        Plutarco (c. 46 – c. 120 d.C.)

        Plutarco, embora posterior ao período clássico, compilou e analisou o pensamento antigo. Ele dedicou reflexões sobre a tagarelice (adoléschia) como uma paixão que se opõe ao silêncio.

        Ele examinava a relação entre o “silêncio e virtude” (sigē e aretē), alinhando o controle da fala com a excelência moral, o que era caro a Platão e Aristóteles.

        O silêncio, portanto, não é visto como um vazio ou algo inócuo em si, mas sim como o berço da reflexão, o exercício do autocontrole, da prudência refletida e o sinal de quem busca a verdade, em vez de meramente qualquer tipo de postura artificial, de simples omissão, tibieza ou falta de denodo.

 


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