ÍNCUBOS E SÚCUBOS ALÉM DA FANTASIA












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É um fato de domínio público e que muitos afirmam have-lo experimentado ou escutado pessoas autorizadas que tenham experiência disso, que os Silvanos e os Faunos, vulgarmente chamados íncubus, tem atormentado com frequência às mulheres e saciado suas paixões. Além disto, são tantos e de tal peso os que afirmam que certos demônios chamados pelos Gauleses, Dusios, intentaram e executaram essa animalidade que, negá-lo parece imprudência.” - Santo Agostinho, livro 15 Cap. 23 em DE CIVITATE DEI

Ao se tratar de íncubos e súcubos, o que é mais popularmente conhecido, é o mito como citado acima por Santo Agostinho que viveu nos longínquos séculos IV e V da nossa era cristã.

Embora, séculos se passaram, ainda hoje, Íncubos e Súcubos são conhecidos como demônios que atacam suas vítimas enquanto essas se encontram “dormindo”. O intuito do ataque é ter relações sexuais com elas e, por meio disso, drenar suas energias para assim se alimentarem, na maioria das vezes deixando-as vivas, mas em condições muito frágeis, por esse motivo, também estão relacionados aos vampiros.

Os Íncubos são demônios masculinos que atacam as mulheres, já os súcubos são demônios femininos que atacam os homens. Numa pesquisa no Wikipedia, temos a informação de que o prefixo in- “sobre”, da palavra íncubos, dá o significado de alguém que está em cima de outra pessoa. De acordo com o livro “O Martelo das Bruxas” (Malleus Maleficarumda idade média, a palavra “succubus” vem de uma alteração do antigo latim succuba significando prostituta. A palavra é derivada do prefixo “sub-“, em latim, que significa “em baixo-por baixo”, e da forma verbal “cubo“, ou seja, “eu me deito”. Assim, o súcubo é alguém que se deita por baixo de outra pessoa, e o íncubo (do latim, in-, “sobre”) é alguém que está em cima de outra pessoa.

Apesar de as descrições acima do “modus operandi” desses seres serem distintas entre si, segundo os relatos das vítimas, eles atacam de forma muito semelhante, como uma pressão muito forte sobre o peito, os imobilizando e ainda, com intensa conotação sexual.

De aparência muito sedutora e magnética, esses demônios são descritos algumas vezes com asas de morcego e também com outras características demoníacas, como chifres e cascos. O súcubos atraem o sexo masculino e, em alguns casos, o homem “apaixona-se” por ela. Mesmo fora do sonho, ela não sai da sua mente, por esse motivo, ela permanece lentamente a sugar-lhe energia até à sua morte por exaustão. Outras fontes dizem que o demônio irá roubar a alma do homem através de relações sexuais.

Diz-se ainda que, tanto os súcubos, assim como os íncubos, descendem de um mesmo demônio, o qual, para uma mulher apareceria na forma masculina e para um homem o mesmo demônio apareceria com a forma feminina.

E disto deriva que os súcubos recolhem o sêmen dos homens com os quais copulam, para que um íncubo possa depois, vir a engravidar mulheres, e desta união ocorre nascerem crianças mais suscetíveis às influências de demônios. Diz à lenda que o mago Merlin é fruto desses tipos de uniões.

Numa nova leitura e interpretação mais atualizada sobre o mito, é muito fácil concluir que tais pesadelos não passam de “fantasias” de desejos sexuais fortemente reprimidos em uma época (idade média) onde, os conceitos de moral, religião e bons costumes eram extremamente rígidos e controlados pela inquisição da igreja romana.

Isto por si só, justificaria o fato de que esses mitos e lendas, tomados como fantasias reprimidas, serem associados a casos de doenças e tormentos psicológicos de origem sexual, os quais são os causadores de pesadelos, paralisia do sono e poluções noturnas. Essa interpretação de relativa simplicidade, pra não dizer rasa, até nos parece convincente, não fosse a dúvida: seriam mesmo, somente essas duas possibilidades – demoníaca ou repressão sexual – a se considerar sobre o assunto?

O assunto nem de longe é tão simples e, por esse mesmo motivo, vai muito além do exposto acima. Não podemos esquecer que tanto em mitologia, bem como magia e também psicologia analítica, o mito está totalmente relacionado com aspectos da psique humana, portanto, faz parte tanto do inconsciente individual bem como do coletivo e, disso resulta que o quadro acima se altera completamente.

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No livro “O herói de mil faces”, o mitólogo Joseph Campbell nos traz um novo olhar sobre esses temíveis demônios, que se apresentam nas mais diversas formas e aparências. Os íncubos são os centauros, sátiros, silenos ou outros concupiscentes da horda de Pã. Já as súcubos são as melusinas, sereias, nereidas, ninfas do bosque, etc.; ambos, íncubos e súcubos, são seres élficos habitantes das profundezas escuras das águas ou das florestas, são representações do estranho a nós e, por isso mesmo, não cansamos de os narrar nos mitos e contos de fadas.

O deus Pã é o mais conhecido exemplo clássico da presença perigosa que habita essas fronteiras entre o conhecido e desconhecido. Silvano e Fauno foram suas contrapartes latinas. Para aqueles que ousassem adentrar os seus domínios, Pã era causador de um grande medo súbito e sem razão aparente, enchia a mente de um terror imaginário, daí a origem da palavra “pânico”. Mas Pã também tem seu lado bom para aqueles que lhes prestavam culto, os abençoando com boa colheita e boa saúde, da mesma forma lhes concedia sabedoria.

Plutarco enumera os êxtases dos rituais orgiásticos de Pã, do frenesi do amor como sendo o divino entusiasmo que supera a razão e libera as forças da escuridão destrutiva-criativa. Portanto, íncubos são as representações ou personificações dos espíritos da floresta, das águas e do ar, são espíritos da natureza, do desconhecido além do humano, do instintivo, e tudo isso, não é outra coisa, se não aspectos do inconsciente coletivo.

Essas forças que vigiam os limites entre o consciente e inconsciente são perigosas e lidar com elas envolvem riscos mas, aqueles que a confrontarem com coragem verão o perigo desaparecer.

Já em ocultismo, um dos súcubos mais conhecidos é Lilite. Na tradição rabínica, ela foi a primeira mulher de Adão, criada da substância de sua imaginação. Em um manuscrito da Aurora Dourada [Ordem Goldem Dawn] intitulado “A Mercará”, ela é descrita como “uma mulher bonita por fora, mas por dentro, corrupta e putrefata”.

Kenneth Grant diz que Crowley menciona o seguinte sobre Lilite: “Os antigos rabinos judeus sabiam disso e ensinaram que, antes que VA fosse dada a Adão, o demônio Lilite foi concebido pelos respingos de seus sonhos de modo que as raças híbridas de sátiros, elfos e outros parecidos começaram a povoar aqueles lugares secretos da terra que não são sensíveis aos órgãos do Homem Comum”.

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Eva e Lílite não são duas criaturas diferentes, mais dois aspectos de uma única entidade. O aspecto brilhante, solar, criativo, angélico foi chamado Eva (uma forma da divindade criadora IHVH – Iavé [YOD – HEH - VAV – HEH]; o aspecto lunar, corrupto, demoníaco foi chamado Lílite.

De acordo com antigas autoridades em feitiçaria, íncubos e súcubos eram personificações do próprio diabo, mas não podemos ignorar que também o diabo é sinônimo do espírito criativo no homem.

Estes seres quando se comportam como companheiros, atuam como elos através dos quais o indivíduo se torna capaz de se comunicar com habitantes dos reinos astrais da mesma natureza do súcubo ou íncubo.

Crowley vai mais fundo ao declarar que “o sátiro é a verdadeira natureza de cada homem e cada mulher”. O íncubo ou súcubo é a exteriorização, ou extrusão, do sátiro em cada indivíduo. Ele representa a vontade subliminar (inconsciente); na verdade, ele representa o Ser Anão ou Sagrado Anjo Guardião.

Ele é o princípio no homem que é imortal e inextricavelmente possui estreita ligação com a sexualidade que, por sua vez, é a chave para sua natureza e os meios de sua encarnação. Num sentido espiritual, eles podem ser considerados como guias da alma pelas trilhas luminosas e obscuras de Amenti (psique objetiva/inconsciente coletivo).

Tudo isso acima, nos leva, claro, para a psicologia analítica, que descreve o fenômeno da anima-animus como psicopompos e guias da alma a adentrar o inconsciente coletivo.

Jung aborda o tema sobre íncubos e súcubos com maior profundidade no livro “Sobre os Arquétipos do Inconsciente Coletivo”, ele diz : “quem olha para dentro da água vê sua própria imagem, mas atrás dele surgem seres vivos, possivelmente peixes, habitantes inofensivos da profundeza – inofensivos se o ego não fosse mal-assombrado para muita gente. Trata-se de seres aquáticos de um tipo especial. Ás vezes , o pescador apanha uma ninfa em sua rede, um peixe feminino, semi-humano.”

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Herbert Draper, Ulisses e as Sereias

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Esses seres como as sereias, e que também podem ser ondinas, cisnes, ou a Válquiria nórdica Brunhild, ninfas, filhas do rei dos elfos, lâmia, súcubos que atordoam os jovens, sugando-lhes a vida, são seres mágicos femininos que representam um estado mais instintivo e primitivo no homem, este que está além de sua parte consciente, e que Jung designou pelo nome de anima. Da mesma forma ele concorda que esses seres, do ponto de vista de um cético ou de um crítico moralista, não passam de projeções de estados emocionais nostálgicos e fantasias condenáveis ou idiotas. E também da mesma forma questiona: Será a sereia apenas um produto do afrouxamento moral?

Em se tratando de anima e, sendo esta um arquétipo do inconsciente coletivo, o termo projeção não é muito apropriado, pois nada é arrojado fora da alma. Para Jung o que ocorre é que a psique atingiu sua complexidade atual através de uma série de atos de introjeção. Essa complexidade tem aumentado proporcionalmente à desespiritualização da natureza. Uma entidade inquietante da floresta da idade média ou tempos passados, chama-se agora “fantasia erótica”, o que vem complicar com muito dano a vida anímica. Ela vem ao nosso encontro sob a forma de uma ninfa, mas pelos motivos acima, se comporta como uma súcubo.

Mas porque Jung denominou esse ser élfico como sendo igual a anima?

Alma ou anima designa algo de maravilhoso e notável, como algo movente ou iridescente, como a borboleta. Para o homem primitivo ela é um sopro mágico de vida, daí o termo anima, ou chama, ou fogo. E ainda, a anima acredita no conceito primitivo anterior à descoberta do conflito entre estética e moral, portanto, anima-animus sendo os arquétipos da vida e de seu significado são idênticos com a deusa kundalini.

Então, assim como a deusa Kundalini, anima/animus assume as mais diversas formas como uma bruxa/mago e é de uma autonomia insuportável que, a bem dizer, não seria própria de um conteúdo psíquico. Provoca fascinações, ou assim como Pã, desencadeia estados de terror que nem mesmo a aparição do diabo poderia ocasionar. Ela/ele é um ser provocante que cruza nosso caminho nas mais diversas modalidades e disfarces, pregando-nos peça de todo tipo, provocando ilusões felizes e infelizes, depressões, êxtases, emoções descontroladas.

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Diana y sus ninfas sorprendidas por satiros1638-1640. Rubens-739550

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Como todos os arquétipos, anima/animus tem um lado positivo e um lado negativo, um lado benéfico e um maléfico. Anima-animus é a representação dos gêmeos bem e mal, sendo assim, sabedoria e loucura aparecem na natureza élfica como uma só e mesma coisa. Estas entidades, sendo representações arquetípicas, adentram o reino dos deuses da metafísica e, no reino da vida dos elfos bem e mau não existem, por isso a vida é ao mesmo tempo significativa e louca.

Na mulher, especificamente, se apresenta como espírito, ou logos, um ser que tem alma e um ser vivo, pois alma é o que vive no homem, no sentido de ser humano. A alma é um daimon doador da vida, que conduz seu jogo élfico para a existência humana como um impulso para a vida.

Mas a que tipo de mentalidade corresponde a maneira de expressar simbólica ou metafórica desse arquétipo? Ela corresponde a mentalidade do homem primitivo, cuja linguagem não possui termos abstratos, mas apenas analogias naturais e “não-naturais”, por isso os mitos e lendas de seres sobrenaturais, meio humano/meio animal, representando essa natureza do homem, que adentrou o universo dos deuses, ou o mais primitivo e instintivo, que é até mesmo anterior a consciência.

Já Emma Jung nos trás uma valiosa contribuição sobre o arquétipo da anima/animus, para ela, em nossas crenças populares, em nossos mitos e contos de fadas, os gigantes e anões bons e maus, fadas e magos, estes que representam conteúdos do inconsciente coletivo, ou seja, imagens arquetípicas ou primordiais, estas que não se originam de conteúdos pessoais, os quais, como animas-animus atuam ou funcionam como uma espécie de ponte ou elo de ligação entre o pessoal e impessoal, entre o consciente e o inconsciente.

O fato, dentro de nossa psiquê, desses seres serem a representação ou imagem do que há de mais primitivo e também instintivo no homem, os quais estão totalmente relacionados com aquela camada muito profunda do inconsciente, este que a psicologia de Jung denomina psiquê objetiva, são nada mais nada menos que os guardiões dos limiares do abismo, estão as margens do inconsciente coletivo e podem nos conduzir suavemente ou dramaticamente a adentrar o total desconhecido.

” Esses mensageiros élficos são perigosos porque ameaçam as bases seguras sobre as quais construímos nosso próprio ser ou família. Mas eles são diabolicamente fascinantes, pois trazem consigo chaves que abrem as portas para todo domínio da aventura, a um só tempo desejada e temida.” - Joseph Campbell

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