“O homem é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser”. Sartre.
Quantas partículas formam uma parte e qual é a proporção de cada parte na totalidade? O que haveremos de conceber como totalidade num cenário onde a humildade e a caridade são requisitos determinantes e divisores de águas?
Certamente, o contexto é que indicará, informará e formará a tese investigativa. Se a análise for, e é, em ambiente maçônico, sobre o povo maçônico, encontraremos amiúde diferentes escores que corroborarão com a trilogia encimada.
Se tomarmos, por analogia, da biologia a premissa de que as células formam os tecidos; os tecidos formam os órgãos; os órgãos formam os aparelhos e o conjunto dos aparelhos forma o organismo... Cada iniciado, cada construtor social, é partícula no universo maçônico, é parte na sua Loja e é totalidade na execução do prometido.
“Cada pessoa é uma escolha absoluta de si”. J. P. Sartre.
E no canteiro de obras a arte de desbastar tomará novo sentido, pois a situação, as atualizações e a compreensão do devir, mais os ajustes e encaixes, fomentarão a responsabilidade do obreiro consigo mesmo, com o seu compromisso, com o próximo e a nossa Sublime Instituição.
Que as alegorias sejam suficientes e reveladoras nessa formação inicial. Que a Iniciação seja bastante significativa para colocar o neófito num lugar entre todos, por pertencimento, pela fraternidade. Que cada viagem seja vivenciada, entendida e internalizada para produzir bons efeitos.
Assim e enquanto o emérito não chega, enquanto o desbaste não alcança a polidez pretendida, a construção prossegue no ritmo e nas batidas do maço sobre o cinzel, com a devida afiação e zelo para retirar apenas o excesso sem o risco de rachar o bloco todo, sucumbindo-se, peremptoriamente, o trabalho delineado.
Nesse comenos o saber fazer destaca e enaltece o esoterismo. A observação e a comunicação vinda dos decanos asseguram a exatidão e a regularidade dos movimentos. E é nesse sentido que os ensinamentos são transmitidos ajudando o aprender a ser. Ser senciente, livre e existente em plenitude com seu cabedal, sua singularidade e sensibilidade, na melhor sintonia e em cada situação, com todos os irmãos.
Sartre ensinou-nos: “Nós não somos originariamente nada, apenas seres totalmente livres”.
Destacando-se a dimensão do saber: “Sabei-o pouco, mas sabei-o bem”, não é a quantidade, mas a qualidade que distingue o obreiro dedicado e comprometido com os progressos sugeridos, e feito as peças de um quebra-cabeça, cada parte ocupa seu lugar completando-se a imagem figurada. Nessa analogia a forma e os encaixes são definidos pelo conhecimento.
Ainda que das colunas ou no oriente, o “Ir mais longe”, ganha significativa proporção na medida em que o construtor se esforça no trabalho intelectual; silencia e exercita, articula e edifica o entendimento e a sabedoria. Compondo e recompondo outras possibilidades aprofundando na busca de mais elementos que trarão, à superfície, mais luminosidade e clareza.
Sob “A canícula do meio-dia”, foi a luz interior do investigador, aquele facho intermitente, abrasador e nutriente de energias o fator determinante e imanente que o capacitou a buscar algo a mais, por todas as linhas e em todos os traçados, reencontrando a ponta do novelo que o conduz desde o ocidente, ao setentrião e também ao sul, pois mesmo que se afaste do eixo, saberá voltar.
Sabe também que é “Um recipiendário, mas pensante”, por natureza e destino. Sabe que sabe, pois o sei que nada sei, é apenas o outro lado da mesma joia. E o nada, diferente do não-ser, também é totalidade no mesmo discurso. A propósito disso Sartre já ensinou: “É o pensamento, a consciência que faz toda a originalidade e a dignidade humana dentro da natureza”.
Duas obras e seus conteúdos foram utilizados nessa reflexão: Ser livre com Sartre, editora Nobilis, 2019, Frédéric Allouche; e Caminhos para a sabedoria, editora Vozes, 2022, karl Jaspers. E é na diversidade da filosofia condensada nelas, que ousamos recortar da segunda, o seguinte: “É no limite das possibilidades humanas que podemos aprender a significação daquilo que se tenta velar ou ignorar”. K. J.
Queremos crer que a Maçonaria, Ordem Iniciática, que objetiva tornar feliz a humanidade, pelo amor e aperfeiçoamento dos costumes, preparando os seus eleitos para esse propósito, sob uma fundamentação indubitável e revolucionária, tridimensional por necessidade, ou seja: esotérica, filosófica e catequética.
Esotérica porque as filigranas são compartilhadas a partir dos mais experientes. Nossos Mestres, pelo exemplo e zelo, disseminam a exatidão das batidas no cinzel intelectual, mais a mentalização do perfil que se pretende finalizar, mas que permanece escondido na bruteza e dureza da pedra.
Filosófica porque já não somos operativos, mas especulativos, ou seja, articuladores de proposituras e conjecturas, possíveis e necessárias por causa da nossa necessidade de pensar e compreender tudo o que se apresenta velado, por concluir e/ou acrescentar.
Catequética porque sem o ritual e o arcabouço legal/regimental, correremos o risco de desviarmos da construção, dos ensinamentos e do esoterismo, ou seja, dos parâmetros estabelecidos desde antigamente. Certamente esse é o motivo de a Maçonaria Simbólica conter os graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre.
“Por sofrível e desgastante que possa ser, nós não podemos nos abstrair do outro”. F. A.
Agora, e por isso, a imagem do três, cinco e sete (3, 5 e 7), faz todo o sentido para nós. Uma Loja necessita, para ser per perfeita, que três a governe; cinco a componha e, sete a complete. Temos necessidade da perfeição, aquela contida no seis total e final, resultante da expressão matemática em tela, e por meio dos números primos iniciais: divisíveis apenas por si mesmo e pela unidade.
Acontece que é na multiplicidade que o produto, mesmo que se altere os fatores, confere-lhes significação e proporção; isso porque suas propriedades, iguala, distribui, associa, neutraliza e inverte o resultado. Em uma Loja a composição, a sapiência, o conjunto da obra será total na medida em que a distribuição for maior que o resto.
Admitamos a complexidade da formação maçônica, bem como a simplicidade dos elementos disponibilizados para isso. Só a persistência do estudioso o conduzirá ao êxito. Também a dedicação trará bons frutos, considerando-se que a materialidade dos fatos seja superada pela espiritualidade desenvolvida, pois o maçom é um ser em construção.
“Não conseguimos esgotar o que é o ser-humano pelo ser-sabido dele, mas apenas podemos vivenciá-lo na origem de nosso pensar e agir. Basicamente, somos mais do que conseguimos saber sobre nós mesmos. K. J.
E antes mesmo de prepararmos o encerramento, para abraçar toda essa imperfeita reflexão, trazemos o momento do nascedouro. Queremos crer, ser ele, o instante de maior liberdade para o iniciante. Sem nenhuma noção do que virá, o neófito congrega em si o mais elementar significado de “Livre e de bons costumes”, haja vista a pureza desse momento.
“O objetivo de nosso combate pela liberdade é nos libertar de todas as formas de alienação. Os valores que escolhemos devem ir nesse sentido, sem esquecer o outro. Pois também somos responsáveis por aquilo que nos tornamos em relação aos outros, ou seja, defensores ou não de sua liberdade por meio de nossas ações”. F. A.
Agora, sim, encaminhamos nossas conclusões lembrando de um saudoso professor e filósofo que bradava: “Sou a parte no todo e a totalidade na parte. Por isso coopero comigo e com todos”. E por essa sentença articulava seu filosofismo, sua sabedoria com seus alunos, levando-os a questionar os limites do conhecido, sempre na busca do desconhecido.
Fica para todos os obreiros da Arte Real esses insights como ponto de partida para outras construções que abrigarão novas possibilidades. E que seja assim mesmo. Que haja crítica, acertos e reformulações para haver progressos. Que tragam mais luzes e clareza para essas linhas mal traçadas, pois nossa incumbência é a mesma do venerável, a abertura.
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