Hoje acordei lembrando de um herói nacional, o Barão do Rio Branco, um homem praticamente esquecido pela esquerda brasileira, talvez pelo título de nobreza que se associou ao seu nome. Não era de nobreza tradicional, hereditária. Seu pai era um comerciante baiano que recebera o título de Visconde do Rio Branco por seu importante papel na política do Segundo Império. Foi um dos principais articuladores do fim da escravidão.
Juca Paranhos, o filho do Visconde, era um jovem bonito e conquistador. Engravidou uma corista de cabaré e, para escândalo geral, assumiu a paternidade e o relacionamento amoroso em uma época em que o DNA ainda não havia sido sequer descoberto. Para contornar a situação, Juca foi mandado para o consulado brasileiro em Liverpool. Levou Marie Philomène, a corista, que veio a ser sua mulher por toda a vida. O casal teve cinco filhos.
Sem ter o que fazer em Liverpool, dedicou-se aos estudos e se tornou o maior especialista em história do Brasil. Durante anos houve a expectativa de que poria seus conhecimentos enciclopédicos em um livro que antes mesmo de ser escrito passou a ser considerado um marco da nossa historiografi
a. Foi uma espécie de Batalha de Itararé, pois o livro nunca ficou pronto. Mas, com sua obsessão pela pesquisa, Juca Paranhos juntou a maior coleção de mapas e documentos históricos sobre a formação do Brasil.
Era monarquista, mas a jovem República percebeu que não podia perder seu talento. Grande parte do território brasileiro ainda não estava delimitado. Juca assumiu essa missão à frente do Ministério das Relações Exteriores, cargo que exerceu ininterruptamente ao longo dos governos de Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. Sua ação diplomática fixou as fronteiras brasileiras atuais, incorporando 900.000 quilômetros quadrados ao nosso território, sem guerras, sempre por meio de negociações. Devemos a ele o atual mapa do Brasil, especialmente a existência da Amazônia brasileira.
Tornou-se, em vida, um herói popular, caso raríssimo na diplomacia. Sua morte, em 1912, interrompeu o carnaval. Durante muito tempo, a maior nota da moeda brasileira (não lembro qual) levou sua imagem. Era conhecida como “um barão”.
Um dos contenciosos mais delicados que Rio Branco enfrentou foi a questão do Acre. Essa parte do território boliviano, riquíssima em seringais (a borracha era um produto estratégico) estava ocupada por brasileiros quando o governo boliviano a arrendou por cem anos para grandes empresas norte-americanas e inglesas.
Rio Branco considerou inaceitável a formação de um enclave anglo-americano no coração da Amazônia. Depois de cem anos de domínio, as grandes potências não sairiam dali nunca mais.
Seguiu-se uma tensa combinação de negociação e conflito. Os Estados Unidos enviaram a sua poderosa Marinha de Guerra para garantir os direitos de suas empresas. Rio Branco fechou a navegação internacional na bacia do rio Amazonas: “Se os Estados Unidos querem negociar conosco com a sua Armada se deslocando para o sul, negociaremos com eles com o nosso Exército marchando para o norte”, escreveu.
Era uma referência ao fato de que as melhores tropas brasileiras sempre estiveram estacionadas nas proximidades da Argentina, nosso rival histórico na América do Sul. Temos uma descrição desse deslocamento de tropas no diário de um sargento gaúcho chamado Getúlio Vargas.
Depois de negociações, ameaças recíprocas, acordos e indenizações, o Acre foi incorporado ao Brasil. O enclave anglo-americano no coração da Amazônia não vingou.
Funcionário público exemplar, Rio Branco morreu em sua mesa de trabalho no Itamaraty. Era um homem pobre. O Congresso Nacional votou a concessão de uma pensão especial para a viúva e os filhos, para que não caíssem na miséria.
A bacia amazônica adquiriu um novo papel estratégico no século XXI. Justo por isso, está sendo sacudida por enormes desafios, entre os quais a expansão do crime organizado, que não reconhece fronteiras, e uma nova incursão militar estrangeira. Tudo isso pode inaugurar um novo período histórico, inclusive com redefinição de soberanias.
Precisamos de um novo Barão.

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