CURANDEIRISMO E EXORCISMO - Almit Sant’Anna Cruz


À luz das modernas descobertas sobre a relação existente entre a mente e o corpo, nos casos de doença, as atividades dos curandeiros parecem de uma surpreendente atualidade. Nos seus primeiros contatos com sociedades tribais, os homens brancos ficavam intrigados diante dos curandeiros, bizarramente pintados e paramentados. Sem compreender seus rituais, mas percebendo que visavam frequentemente curar os enfermos, os brancos consideravam mera feitiçaria aquelas práticas primitivas. Muitos dos rituais coloridos – com suas máscaras e roupagens – têm uma finalidade, isto é, são complementos visuais do tratamento psiquiátrico que o curandeiro, ao seu modo, realiza. 

Psiquiatras africanos passaram a utilizar diversas técnicas nativas e perceberam que podiam empregar curandeiros para trabalharem lado a lado com psiquiatras, sem qualquer desarmonia. Os complementos visuais, encantamentos simbólicos e frases persuasivas podem significar uma suave sugestão hipnótica. Se o curandeiro diz, enquanto banha o paciente: “seu mal está indo embora, como esta água escorre para o chão”, a metáfora ajuda a imprimir na mente do enfermo a noção de partida. Em certas regiões da África, os curandeiros empregam hipnose profunda, provocando o transe em pacientes isolados ou em grupos. Diz-se que o curandeiro indiano trata a mordida de cobra com métodos semelhantes. Embora muitas cobras não sejam venenosas, o choque da mordida pode matar uma pessoa sugestionável. Ninguém sabe se o curandeiro cura o estado de choque, ou se o seu poder de persuasão ajuda a resistência do organismo realmente envenenado. 

O conhecimento farmacêutico dos curandeiros tem precedido o da medicina civilizada. Boa parte dos medicamentos atualmente em uso, já eram empregados pelos curandeiros, com os quais a ciência obteve o conhecimento de suas propriedades medicinais. A malária era tratada com sucesso pelos índios peruanos a partir de infusões da casca de Chichona bem antes que os europeus a colocassem sob controle, através de observações das práticas indígenas pelos jesuítas em 1638. Os curandeiros brâmanes do sudoeste asiático já utilizavam, por milhares de anos, a raiz da Rauwolfia serpentina como substância medicinal, até que, em 1887, dois holandeses descobrissem seu uso e agora, a reserpina, substância extraída dessa raiz, é de emprego comum no combate à hipertensão e como tranquilizante. Desde o século XVII os curandeiros usavam a casca de Salix (salgueiro) para tratar reumatismos. Uma vez purificada, a solução deu origem ao ácido acetilsalicílico, fundamento dos comprimidos de aspirina usados hoje em dia. No Brasil, de longa data, utilizam-se certas plantas e ervas para o tratamento de algumas moléstias e a própria ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, recentemente autorizou a industrialização e a comercialização de fórmulas farmacêuticas que empregam tais plantas e ervas. Em algumas partes da África, certos remédios secretos são tão respeitados, que mesmo os médicos africanos formados na Europa preferem enviar seus filhos ao curandeiro. 

O curandeiro das cidades não é necessariamente um charlatão. Conquanto imprimam folhetos mentirosos, declarando que podem curar qualquer doença conhecida, na verdade fazem com que os pacientes tenham fé em sua medicina. Embora não pintem o rosto nem usem máscaras, eles dependem tanto da aparência como seus predecessores. E sua reputação depende dos pacientes que eles recuperam. Não obstante os poderes invocados pelos curandeiros sejam imaginários, na medida em que um grupo acredita em tais poderes, ele pode adquirir uma eficácia, mesmo que limitada, mas muito real. Além disso, o sucesso dos curandeiros, em alguns casos, está ligado a doenças que, depois de atingirem o auge de desenvolvimento, regridem e desaparecem naturalmente, qualquer que seja o tratamento recebido. O principal elemento com que conta o curandeiro é a fé dos pacientes na cura das moléstias que os aflige e a ação do curandeiro se concentra em sua capacidade de convencimento do valor de seus métodos de cura.

Estudando as práticas do vudu, no Haiti, pesquisadores americanos concluíram que certos mecanismos psicofisiológicos podem conduzir à morte por enfeitiçamento. Numa sociedade em que a crença nos poderes do feiticeiro está enraizada na tradição, um indivíduo raramente põe em dúvida o fato de que esteja condenado. As pessoas que o cercam, por sua vez, participam dessa certeza e afastam-se da vítima como se ela fosse portadora de uma doença contagiosa. Dominado pelo pânico e marginalizado pelo grupo social, o enfeitiçado tem grandes possibilidades de adoecer realmente, confirmando, assim, o poder do feiticeiro. E como se desencadeiam as alterações fisiológicas que tornam o feitiço real? Podemos supor que o medo intenso venha a provocar uma atividade particularmente intensa do sistema nervoso simpático, ocorrendo então uma queda da pressão sanguínea, bem como uma significativa redução de todo o sistema de defesa e imunidade, resultando em desgastes irreparáveis do aparelho respiratório e em todo o sistema orgânico do indivíduo. Além disso, dominada pela tensão, a vítima recusa-se a comer e beber e, a desidratação, contribui para diminuir ainda mais o volume de sangue em circulação. Este quadro já foi observado nos campos de batalha, em indivíduos traumatizados por bombardeios ou por episódios trágicos que presenciaram. 

Para a maioria dos ocidentais modernos, todas essas práticas de curandeirismo parecem bizarras e desprovidas de fundamento real. Nossa tendência natural e imediata é atribuí-las à ignorância de populações ingênuas, negando a eficácia dessas práticas. Contudo, não se deve olvidar que, para aqueles que acreditam em sua eficiência, o poder do curandeiro pode ser bastante efetivo, como o são, em pessoas com certos distúrbios psiquiátricos, a prática do exorcismo dos padres católicos, com os paramentos, palavras e símbolos cristãos que utilizam nas sessões. As igrejas Neopentecostais, ressalvados os casos de fraude, que não são poucos, fazem uso frequente de exorcismos públicos, muitas vezes transmitidos pela televisão em tempo real, usando pessoas com evidentes distúrbios psiquiátricos e facilmente influenciáveis. Esses elementos exercem o mesmo efeito dos empregados pelos primitivos curandeiros, nas pessoas que se acham possuídas por “forças malignas”, como atestam respeitados psiquiatras.

Concluímos, portanto, que conquanto muitos curandeiros das cidades sejam charlatões, os curandeiros não são necessariamente charlatões,. Muitos de seus remédios vieram a ser empregados pela ciência no tratamento de diversas doenças e inúmeras práticas que adotam são utilizadas e explicadas cientificamente pela psiquiatria moderna.


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