O Respeitável Irmão Hercule Spoladore, do Or.: de Londrina (PR), apresenta a seguinte questão: uma Loja, que está para escrutinar um candidato, que se declara budista, está em dúvida quanto ao conceito de Grande Arquiteto do Universo dos adeptos do budismo. Há confronto? Caso o candidato seja aprovado, qual a conduta da Loja, em relação ao juramento, livro sagrado, etc."?
RESPOSTA:
Os ensinamentos do Buda endossam muitos aspectos do hinduísmo, criticando, entretanto, alguns de seus tradicionais preceitos.
Para o budismo, *não existe começo nem fim, criação, ou céu*; mas aceita, como o hinduísmo, como fundamental, a reencarnação da alma (transmigração) em outros corpos e a teoria do *karma*, força moral, ou lei cósmica misteriosa, que sobrevive à morte, que é definida como a total consequência ética das ações individuais e que estabelece o destino de cada um, nas existências futuras, até chegar ao *Nirvana*, o bem-aventurado estado de vazio total, onde a libertação completa dispensa novas reencarnações.
O budismo discorda do hinduísmo, em relação aos métodos utilizados para atingir os objetivos espirituais, principalmente os ligados à mortificação e ao ascetismo rigoroso que os religiosos hindus praticavam e que pareciam exagerados e inúteis para o Buda.
Dessa maneira, a sua doutrina, definida no sermão de Benares, recomenda a adoção de um meio termo, um meio caminho entre o ascetismo, a auto mortificação e a autoindulgência.
Para se trilhar esse caminho intermediário, há necessidade de se admitir as chamadas *Quatro Verdades Nobres*, assim relacionadas:
*1. É necessário reconhecer que a dor é universal, ou seja, que a vida humana é feita de angústia e sofrimento;*
*2. A causa da dor e do sofrimento reside no desejo de coisas que não podem satisfazer ao espírito;*
*3. A dor tem remédio, ou seja, o sofrimento pode ter fim;*
*4. O sofrimento só se extingue quando o homem renuncia a esses desejos; já que a raiz desses desejos tem origem na ignorância, a sabedoria é o melhor caminho para dominar a dor e o sofrimento.*
Admitindo essas quatro Verdades Nobres, dispõe, o homem, dos meios para a libertação, seguindo a *Senda das Oito Trilhas:*
*Pureza de Fé -- Opiniões Exatas -- Palavras Verdadeiras -- Procedimento Correto -- Vida Regrada -- Boas Aspirações -- Pensamentos Certos -- Meditação e Contemplação Virtuosa.*
Além das quatro Verdades Nobres e das Oito Trilhas, o Buda acrescentava, ainda, uma sentença, a *Regra de Ouro*, resumo de toda a sua doutrina e norma geral de conduta: *"Tudo o que somos é o resultado do que pensamos".*
Há, no budismo, um profundo respeito por todas as criaturas viventes, fazendo com que os budistas considerem, como obrigação fundamental de todos os seres humanos, viver em paz, harmonia e fraternidade com seus semelhantes. Esse espírito pacifista, tem origem num ensinamento do próprio Buda: *"O ÓDIO NÃO TERMINA COM O ÓDIO, MAS COM O AMOR".*
Ao contrário do que acontece com as religiões, o budismo jamais exige alguma coisa de seus seguidores: não existem cerimônias de conversão, nem rituais de submissão do homem a divindades, bastando, somente, conhecer as Quatro Verdades e seguir as Oito Trilhas.
Dessa, maneira, mais do que uma religião, o budismo é uma filosofia de vida, uma atitude perante o mundo, uma técnica de comportamento, através da qual o homem aprende a se desprender de tudo o que é transitório, buscando uma autossuficiência espiritual.
Isso tem feito com que o budismo, atualmente, seja muito acatado no Ocidente, tão sujeito a religiões castradoras da mente e da vontade do homem. (...) Em suas várias formas, ele chegou ao Ocidente, através de vários filósofos (como Schopenhauer), escritores e poetas (como Antero de Quental); sua doutrina enquadra-se no ideal de virtude, tolerância e amor ao próximo, sem os preceitos dogmáticos, que existem na maioria das religiões.
A Maçonaria, como escola iniciática, tem muitos pontos de contato com o budismo. Ela, da mesma maneira, pugna pelos bons costumes, pela fraternidade e pela tolerância, respeitando, todavia, a liberdade de consciência do homem, a qual não admite a imposição de dogmas.
Embora com algumas ligeiras modificações, as Quatro Verdades e as Oito Trilhas estão presentes em toda a extensão da doutrina maçônica, que ensina, aos iniciados, o desapego às coisas materiais e efêmeras e a busca da paz espiritual, através das boas obras, da vida regrada, do procedimento correto e das palavras verdadeiras.
O conceito de Grande Arquiteto do Universo, como o entende a Maçonaria, não existe no budismo, pois, para este, não existe começo nem fim, criação ou céu, ao contrário do hinduísmo e do bramanismo (forma mais requintada do hinduísmo), que são as religiões mais antigas da Índia, ambas originárias da religião védica (baseada nos Vedas, seus livros sagrados).
Para o *Rig Veda*, o texto máximo do hinduísmo, existia, no começo dos tempos, o mundo submerso na escuridão, imperceptível, sem poder ser descoberto pelo raciocínio.
A criação do mundo, segundo os Vedas, apresenta extraordinária semelhança com as concepções equivalentes, geradas por diversos povos da Antigüidade, inclusive com a Bíblia, o que mostra que esta representou uma amálgama das crenças religiosas da Antiguidade, incrementando, meramente, a tendência monoteísta, já vislumbrada nas antigas religiões.
O hinduísmo, embora admita a existência de incontáveis deuses, acaba assimilando uma certa tendência ao monoteísmo, ao eleger o seu primeiro grande deus, do qual provêm todos os outros; esse deus primordial é *Brahma* (quem com *Vishnu* e *Shiva*, forma a grande trindade divina hinduísta -- ou trimurti -- concepção que é encontrada em diversas outras religiões, inclusive no cristianismo).
Apesar dessa atitude do budismo (em relação à criação), ele reconhece a divindade, como se pode ver no ritual Kalachakra, do budismo (lamaismo) tibetano, não entrando, assim, em conflito com a doutrina teísta maçônica, excluída a concepção de "arquiteto", como criador, mas admitindo como aperfeiçoador.
Em relação ao juramento -- ou compromisso -- maçônico, não há, para o budista, qualquer impedimento, pois uma das Oito Trilhas (Palavras Verdadeiras) permite-lhe assumi-lo.
Quanto ao Livro sagrado -- para o candidato prestar o compromisso sobre ele -- embora o budismo não o possua, pode-se usar tanto o Rig Veda quanto a Bíblia, pois, embora não seja admitida a criação, os outros preceitos básicos do budismo estão presentes em ambos os livros; nesse caso, eles estarão fechados, pois basta a sua presença, no momento do compromisso.
No caso de ser usada a Bíblia, é preferível só o chamado Novo Testamento (Evangelhos), cujos ensinamentos coincidem, em grande parte com os do budismo.
OBS. - Tais assertivas não valem, evidentemente, para o Rito Moderno, onde um budista sentir-se-ia bem mais acomodado, já que o rito, em respeito à mais absoluta liberdade de consciência, não usa compromissos sobre livros sagrados e não impõe dogmas, crenças, ou padrões religiosos, que são considerados de foro íntimo de cada maçom.